Pianadas…
LUSO QUÊ? 15/01/2021
Editorial
Esta semana propomos uma pianada light. Uma sequência musical tocada com piano, neste caso, ligeirinha a deixar espaço para que cada leitor a combine e complete como quiser. Celebremos os pianos e @s pianistas!
Não apresentamos um estudo aprofundado e detalhado sobre a história deste objeto majestoso e maravilhosamente belo, de uma mecânica precisa e altamente elaborada e cuja complexidade de execução aliada às suas ilimitadas possibilidades de composição o tornam num instrumento único. Também não iremos fazer uma espécie de enciclopédia sobre os grandes mestres pianistas. Basta dizer que como o tempo não chega para tudo, teremos de deixar de fora uma pianista que merecia um número só para ela – Maria João Pires. E outros tantos! Mas há mais marés que marinheiros… remediado será!
Faremos uma breve passagem pela obra de alguns artistas lusófonos que “dão cartas” no piano e encantam com a sua arte. Nomes consagrados, mestres e malta mais jovem que anda a fazer pela vida e a espalhar talento. Habitaremos vários estilos, pisando as fronteiras mais além dos territórios inatos ao piano – o jazz e a música clássica. Daremos espaço aos “atrevimentos”, às mesclas e cruzamentos, namoros e casamentos felizes de pianos e pianistas com outros artistas e instrumentos. Assistiremos a abordagens e sonoridades capazes de vos “inquietar” e agitar, fazendo-vos reagir à genialidade sonora deste instrumento único que é capaz de impossíveis quando tocado pelo talento.
A orquestra dá a primeira nota e arranca com uma paragem (respeitando o silêncio musical) para escutar a genialidade de quem partiu cedo demais. Deixar-nos-emos embalar pela magia eterna de Bernardo Sassetti.
Conheceremos a bonita e singular estória de paixão, dedicação, dor e esperança que o pianista e maestro João Carlos Martins vem protagonizando ao longo da sua vida.
Escutaremos atentamente a chuva de talento que Júlio Resende provoca em todos os multifacetados projetos em que colabora, cruzando simbioticamente o piano, com improváveis sonoridades.
Iremos até Macau espreitar como o jovem José Li Silveirinha fez uma sentida homenagem à revolução da liberdade, dedicada à obra do homem que dedicou a vida a cantar abril.
Também vos contaremos o que Rita Abranches anda a tramar. Conversámos com a talentosa pianista que interpreta e toca a natureza, as viagens, a vida acontecendo, como se estivesse atrás duma câmera.
Fecharemos esta dose de pianada com uma “cereja” no topo do bolo. Daremos um cheirinho pelo universo especial e riquíssimo do fantástico e único, Mário Laginha.
Os (in)Raizados regressam em força para nos contarem a incrível e contagiante estória de alguém que vive a vida, com alegria e positividade, como um peixe na água.
Até já!
1. Cedo demais…
Começar pelo fim… É difícil falar de Bernardo Sassetti, afastando o olhar dos trágicos e enigmáticos acontecimentos em que a sua morte se viu envolta. O que fazer quando um homem genial, no “prime” artístico da sua vida, nos é arrebatado de forma tão fugaz e inesperada? Talvez a melhor forma de o recordar seja apreciando atentamente o produto da sua criatividade e trabalho.
Desde muito cedo despertou para o piano. Começou a ter aulas aos 9 anos e nunca mais parou, dedicando-se sobretudo ao jazz. Considerado um prodígio e uma mente brilhante, ao longo da sua carreira colaborou com imensos artistas, de estilos variados e “escolas” diversas. 2 temas que ilustram bem esta faceta.
Com Sérgio Godinho em estúdio
Com Pacman – A palavra – tema para Sassetti
Publicou trabalhos de composição própria e desenvolveu obras a solo e em trio de jazz.
Noite
Bernardo Sassetti Trio @ Lux Jazz Sessions
Destaque, pela sua originalidade, e certamente porque reúne num só disco 3 gigantes do piano. O disco de 2007, “3 pianos”, reúne Mário Laginha, Pedro Burmester e o próprio Sassetti, num autêntico e imperdível tesouro musical.
3Pianos – Bolero (Maurice Ravel)
Ficam ansiosos por descobrir mais? Vão até à página web da Casa Bernardo Sassetti, criada em 2012 após a sua morte, como “resposta ao vazio deixado pelo desaparecimento prematuro do artista” .
2. Paixões que (quase) matam
A vida do pianista e maestro João Carlos Martins dava um excelente filme. Já foi feito. Em 2017 estreou “João, o mestre” – filme autobiográfico onde se narra a trajetória do artista desde a sua infância até (quase) à atualidade. Assim, em jeito de slide rápido, a estória resume-se a alguém que nasceu com um dom especial para a música. Nascido a 1940, em São Paulo, o seu pai era um apaixonado pelo piano (não pôde ser pianista devido a um acidente que lhe provocou lesões permanentes na mão) e tratou de passar a paixão pela música, e pelo piano em particular, aos seus filhos. Mas João era especial. Um prodígio. A sua relação com o piano era inata e desde cedo demonstrou aptidões e capacidades incomuns que o lançaram para uma carreira internacional. Um especialista em Bach, apaixonado, loucamente perdido de amor pelo piano, quis sempre superar-se e alcançar a perfeição. Teve de aprender a lidar com essa perigosa obsessão. Há acidentes, perigos, surpresas, viagens por todo o globo, fama, amor, dor e sofrimento, determinação, superação e… um final feliz.
Dizemos que no filme se conta “quase” até aos dias de hoje porque houve um importantíssimo evento recente que mudou drástica e dramaticamente, de forma positiva, a vida do mestre João. O pianista viveu, desde muito jovem, assombrado por graves lesões (físicas e neurológicas) que afetaram as suas mãos. Depois de inúmeras cirurgias, de ter chegado a tocar com apenas a mão esquerda ou com apenas alguns dedos, teve de deixar o piano. Foi aí que a opção de ser maestro surgiu como uma solução natural. Caminho que acabaria também por gerar a criação de uma importante fundação e vários programas em que a música contribui para ajudar crianças carenciadas a estudar. Mas em 2020, graças a um “milagre” tecnológico, umas luvas biónicas, pôde voltar a tocar. As imagens desses momentos são poderosamente emocionantes.
Breve entrevista
É absolutamente incrível a obra de uma carreira com 60 anos de existência, recheada de atuações nos palcos mais famosos e célebres das maiores e mais importantes cidades do mundo. Deixamos aqui um breve excerto de uma atuação ao vivo onde João Carlos Martins interpretou maravilhosamente um tema de dificílima execução que poucos outros se atreveram a tocar.
Espreitem o facebook do mundialmente famoso e aclamado pianista e maestro.
3. O 4×4 das teclas
É exatamente isso. Júlio Resende é como um todo-o-terreno que se adapta e move com total liberdade em qualquer terreno musical. Tendo começado a estudar piano muito jovem, com apenas 4 anos, e apesar da sua formação ser fundamentalmente de jazz e clássica, este genial pianista gosta de atravessar e habitar territórios sonoros variados.
A sua vasta e extensa obra, tendo em conta a sua idade, demonstra-nos exatamente esse gosto pela exploração do fado, rock e outros géneros. Daí surgiram imensas colaborações e participações em projetos com outros artistas. Por exemplo, em 2017, numa homenagem aos 20 anos do álbum “Ok Computer” dos Radiohead, com Salvador Sobral (ambos membros do projeto Alexander Search). Também com António Zambujo, em 2013 no Hot Club de Lisboa, interpretando “A tua frieza gela”. Ou, com Elisa Rodrigues onde toca “Dumb” de Nirvana, em 2011.
Um destaque especial para o disco “Amália”(2013), onde Júlio Resende se “atreve” a interpretar canções da fadista maior. “Medo” é um dos temas mais bonitos deste álbum.
Medo – dueto com Amália Rodrigues
Num dos seus mais recentes trabalhos, vemos como integra a eletrónica na sua composição, resultando numa sonoridade viva e enérgica, bastante coesa e com um toque inovador.
Fado Cyborg
Ainda uma referência ao “Júlio Resende Fado Jazz Ensemble” onde podemos ouvir pérolas tão belas como este “Vira Mais Cinco (para o Zeca)”.
Vira Mais Cinco (para o Zeca)
Visitem a página oficial deste engenhoso artista para acederem a mais surpresas deliciosas.
4. Abril macaense
Piano e pianistas. Pois claro! Mas quem poderia imaginar um jovem pianista a fazer uma sentida e bonita homenagem à revolução dos cravos, desde Macau? Aconteceu em abril de 2020, a propósito das comemorações do 25 de abril de 1974.
Com apenas 15 anos, José Li Silveirinha interpreta temas como o “Grândola, Vila Morena” ou “Maria Faia”, numa atuação de se lhe tirar o chapéu que recorda o momento histórico e a obra do grande Zeca Afonso.
Canções de Portugal – Homenagem a Zeca Afonso
Ficamos à espera de novas prendas do jovem pianista.
5. Luzes, câmera… piano
Uma conversa de uma hora não é suficiente para ficarmos a saber TUDO sobre a talentosa pianista e professora de piano Rita Abranches. Mas dá para ficarmos com uma ideia bem clara e completa sobre quem é, o que fez e o que anda a tramar…
Desde cedo, esta lisboeta, soube que amava o piano. Sentia a necessidade de criar livremente, com espontaneidade, na procura de expressar-se livre de moldes. Foi desenvolvendo a arte de criar livremente, seguindo os seus instintos, mas usando a sólida herança obtida pela formação clássica, como podemos absorver e observar em “Gize”, uma das primeiras peças que compôs para piano.
Gize
A música da Rita é extremamente visual, provavelmente pela estreita relação que a artista tem com a poesia, a dança e o cinema. Música criada para imagens e com imagens. Compôs música para curtas-metragens, documentários e cinema. Destaque para uma série de documentários sobre Macau da RTP – “Macau 2012/13”, que posteriormente evolui para uma longa metragem – “Macau , um longe tão perto”.
As viagens, a liberdade, o sonho e o mar são linhas e fontes constantes de inspiração presentes nos seus trabalhos. Música que oscila entre um carácter mais sereno e etéreo, a leveza e alegria e uma dimensão com um carácter mais profundo e existencialista que reflete sobre o sentido e significado da vida. “Karuna” espelha esta identidade própria onde está a portugalidade misturada com cores, cheiros e sabores de outras geografias.
Karuna
Em “Vagueando” (2013), reuniu um belíssimo conjunto de oito temas para piano e no mais recente, “Vida e Nuvem” (2019), expandiu a sua linguagem integrando outros instrumentos para além do piano e apresentando também algumas canções no disco.
Fica lançado o desafio. Querem saber e conhecer mais sobre esta fantástica intérprete e estar a par das novidades ? Deem um salto ao seu canal do youtube.
6. Por culpa de Keith
Será que a genialidade de contagia? Sabemos que não… contudo, no caso do pianista Mário Laginha foi um bocadinho assim. O talento inato foi espicaçado pela audição da música de Keith Jarret. O resto tem sido estudo, trabalho, dedicação e talvez um bocadinho de sorte (cuidado com ela, dá muito trabalho conseguir ter sorte).
O que contar-vos? Como engarrafamos a vida e obra deste “monstro” do piano nuns poucos parágrafos? Podemos começar por dizer que a sua música é alegre, simpática, está em paz com a vida, serena e muitíssimo bela.
A saber, Mário Laginha conta com 23 álbuns publicados tendo iniciado os registos discográficos em estúdio no início da década de 80. No panorama musical contemporâneo, seria impossível falar de música, mais concretamente de jazz, sem mencioná-lo com sublinhado e a negrito.
Ciclo «Piano Solo» – «Moira Poama»
Um dos melhores, rodeado pelos melhores. No jazz e não só. Falar do pianista inclui incontornavelmente dizer Maria João. A parceria entre a cantora e o pianista resulta na publicação de vários discos absolutamente fabulosos.
Maria João · Mário Laginha – Iridescent (Gulbenkian)
Ficou também para sempre gravado nos anais do jazz o famoso Sexteto de Jazz de Lisboa.
Véspera
E, não poderíamos igualmente deixar de mencionar todo o trabalho realizado em formato de trio.
Muirapuama
E a amizade e cumpicidade musical com Sassetti , Burmester (que antes mencionámos) e com tantos outros. Não há espaço nem tempo suficientes para dar-vos tudo, mas fica ainda este perfume de um dos seus mais recentes trabalhos com o fadista Camané.
Com que voz
Ficaram com vontade de ouvir e saber mais? Toca a ir ao facebook do pianista e encher-se de boa música!
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
Esta semana temos o prazer de contar a estória de um amigo de toda a vida – o Hugo.
Hugo Andrade (36 anos, Cabo da Roca)
Eu sempre pensei que o meu sonho era ser veterinário e nunca imaginei, nem nos meus sonhos mais ambiciosos, que poderia ter a oportunidade de trabalhar diretamente com alguns dos animais mais fascinantes da nossa terra.
Ter nascido e ter sido criado sempre junto ao mar talhou sem qualquer sombra de dúvida todo o percurso da minha vida até agora. Sempre tive um espírito bastante aventureiro e busquei tirar o máximo partido da vida em geral e trabalhar por gosto e paixão, embora sabendo que tal nem sempre seja fácil
No dia 30 de Abril de 1984 iniciei esta odisseia a que chamamos vida. Com mãe moçambicana e pai angolano, ritmo e diversidade estiveram sempre presentes .
Em criança, procurei ultrapassar os meus limites. No meu caso e naquela época eram fugir à escola ou ir de bicicleta de Paço de Arcos, a minha terra natal, até à Torre de Belém. Foi assim, até ter feito, contra a vontade da família toda, a minha primeira grande viagem sozinho a Nova Iorque com 20 anos.
2007 foi um ano de viragem em todos os aspetos da minha vida, tanto geográficos como de crescimento pessoal. Depois de duas entrevistas intensas e de ter viajado 1160km em dois dias, fui contratado pelo Zoomarine como Assistente de Treinador. Foi nessa altura que percebi que me tinha saído o euromilhões, uma oportunidade absolutamente única na vida, que em nada se assemelhava ao que eu entendera como trabalho até então. Ia ser necessária uma elevadíssima dedicação para lidar com animais como leões marinhos, focas, manatins e golfinhos. Foram 5 anos de cuidado, amor e respeito mútuo entre animais e colegas com muitos desafios. Só assim é possível. O público por vezes não tem noção da logística que envolve o cuidado e treino destes animais desde a nutrição aos cuidados médicos. Imaginem-se dentro de água com um golfinho e ter uma relação de confiança que vos permite fazer quase qualquer coisa com estes animais, é indescritível, inesquecível e por isso, um sentimento especial que guardarei sempre comigo.
Procurei novos desafios na Holanda e em Palma de Maiorca como treinador de mamíferos marinhos. O resultado de estar tanto tempo fora do meu país fez com que, ao fim de algum tempo, a saudade batesse à porta. Comecei a procurar voltar, mas desta vez para trabalhar por conta própria. Abri um surf camp na Praia da Areia Branca (costa de prata) – O pura vida beach hostel e passados 2 anos tive a sorte de encontrar um moinho no ponto mais ocidental da Europa, reabilitá-lo e fazer uma casa de sonho que pudesse albergar pessoas de qualquer parte do mundo – O moinho da roca.
“Encontra um trabalho que gostes e não terás que trabalhar nem mais um dia da tua vida” e, por mais cliché que isto possa soar, é a mais pura das verdades. Ter vivido com essa frase na cabeça fez com que o meu percurso fosse bem mais estimulante e sempre em busca de algo melhor, não me acomodando.
És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:
- Bruno Coelho
- João Antunes
- Nacho Flores
- Pedro Sereno
- Pilar Pino
- Rita Abranches
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