Do fundo do baú
LUSO QUÊ? 26/03/2021
Editorial
Nos fundos dos baús é onde se encontram as “guloseimas”, as pérolas por vezes esquecidas ou adiadas. Decidimos ir esgravatar no nosso baú e trazer-vos a “nata” em forma de coisinhas que fomos desencantar nos espaços recônditos da nossa arca da esperança guardadas e que lá estavam à espera de poder ver a luz.
Esta edição será um rodízio eclético e heterogéneo de cruzamentos entre passado, presente e futuro.
A viagem desta semana inicia-se em São Paulo onde iremos passear pelos corredores e galerias do Museu Afro Brasil onde poderemos descobrir mais sobre a história do Brasil e a relação dos negros na construção da identidade do seu povo, no desenvolvimento cultural e artístico brasileiro.
Seguidamente tomaremos contacto com uma ferramenta linguística grátis e capaz de atuar como um magnífico auxiliar na aprendizagem e uso geral da língua portuguesa. Iremos espreitar a infopedia.
A paragem que se segue é feita sem trelas ou coleiras. Ficaremos a saber mais sobre o trabalho que a galeria de artistas underdogs vem realizando e daremos uma bela voltinha pela arte urbana em Lisboa.
A viagem prossegue com uma das suas últimas paragens. Vamos conhecer uma promissora artista que tem encantando com a sua música – A garota não. Iremos adentrar-nos na sua obra e conhecer de onde recolhe a sua inspiração.
Os (in)Raizados esta semana permanecem em pausa.
Mais uma semana cheia Discos Pedidos!. O que é que os nossos leitores andam a ouvir?
Até já!
1. Mestiçagem perpetuada
Situado na cidade de São Paulo (Brasil) no interior do parque Ibirapuera um importante pulmão e zona verde da cidade encontra-se o MAB – Museu Afro Brasil. O museu está dedicado à preservação e divulgação da herança cultural e artística do negro no Brasil resgatando-a e contando a história que nem sempre aparece nos livros. Pretende desconstruir o imaginário da população negra pela ótica da inferioridade transformando-o antes no prestígio, na igualdade e no reconhecimento. Note-se que estatísticas recentes indicam que aproximadamente 50% da população brasileira é mestiça, parda ou negra.
Foi fundado em 2004 pelo artista plástico, curador e museólogo Emanoel Alves de Araújo (atual Diretor do museu), que doou mais de 2000 mil obras ao museu. Atualmente conta com mais de 5000 itens em exposição reunindo diversas facetas culturais e artísticas dos universos africano e brasileiro. O espaço aborda vários temas de extrema riqueza e importância para a identidade nacional e histórica do país: a escravidão durante o período colonial até à independência; as longas travessias feitas desde África em condições miseráveis e penosas nos navios negreiros; o falhado processo de esquecimento forçado e a tentativa ao abandono das raízes; os mercados de venda de escravos; os objetos de tortura para disciplinar os escravos. Mostra-se também como ocorreu a introdução de sabedoria no país pelos escravos que conheciam tecnologias e possuíam saberes até então desconhecidos no Brasil. Como esses conhecimentos foram usados tanto no espaço rural, como no urbano acelerando os ciclos económicos e a riqueza. Observa-se a contribuição direta para a gastronomia através da introdução de novos ingredientes provenientes da cultura africana; o trabalho realizado com o acúcar, o café, a exploração mineira; a importância das religiões e a relação de espiritualidade na criação das tradições e celebrações brasileiras; o surgimento da capoeira (manifestação afro brasileira) como arte marcial que é meio jogo, meio dança e atualmente é mundialmente conhecida. Foca-se também a contribuição de negros que foram ou são personalidades reconhecidas de todos os campos e setores da sociedade.
O museu conta com uma biblioteca com cerca de 11000 entradas e está dividido em 2 partes – a exposição permanente com uma orientação histórica e as exposições temporais que mostram uma visão contemporânea sobre a mestiçagem. Uma visita imperdível e “obrigatória”. Para quem não está em São Paulo, deixamos um vídeo com a visita guiada a este fantástico espaço.
Visita guiada ao MAB
2. Martelo, alicate e chave de fendas das letras
A Porto Editora disponibiliza desde 2003 e em constante evolução/atualização a infopedia, uma excelente ferramenta e recurso para quem usa a língua de forma académica ou profissional. Focamos obviamente as possibilidades que oferece no que respeita à língua portuguesa, embora estejam também disponíveis outros 9 idiomas – inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, holandês, chinês, grego e tétum.
O que se pode fazer com esta potente ferramenta? Pesquisar palavras no dicionário (da própria língua ou noutra das línguas disponíveis), consultar a língua gestual, procurar vocabulário ortográfico, esclarecer dúvidas relacionadas com o acordo ortográfico são algumas das imensas possibilidades. Possui também um apartado especial dedicado a dúvidas relacionadas com o uso da língua portuguesa.
É, portanto, um fabuloso recurso que recomendamos como auxílio da aprendizagem quer para falantes nativos, quer para quem está a dar os primeiros passos ou possui já alguma proficiência na língua portuguesa.
3. Arte rafeira
A arte urbana em Portugal tem assumido um papel importante e sofrido uma evolução impressionante. As cidades portuguesas são museus abertos em espaço público e repletas de expressões artísticas variadas. Hoje quisemos dar destaque ao maravilhoso trabalho da underdogs.
O projeto surgiu entre 2016 e 2017 e pretende complementar diferentes facetas do trabalho artístico, comercial e cultural realizado por um enorme e talentoso coletivo de artistas que conta com grandes nomes portugueses e também de outros países. Um movimento que permite dar visibilidade e criar espaço para artistas que por vezes são considerados menos convencionais, numa ode ao espaço urbano. Consultem no final do artigo o delicioso vídeo de apresentação do projeto. Podem também encontrar mais informação na página oficial e no Instagram.
Ficam ainda mais 2 guloseimas. Não resisti à tentação de deixar aqui o vídeo da exposição “marginal” realizada por Pedro Batista e Francisco Vidal – talentosos conterrâneos de Oeiras, a magnífica terra onde nasci. Nesta exposição contactamos com as influências que os artistas receberam durante os anos 90, criando imagens que não deixam ninguém indiferente. Finalizamos com um vídeo que é um passeio excecional pela arte urbana realizada em Lisboa e na sua zona metropolitana (incluindo também a zona conhecida como “margem sul”). Lisboa é um museu ao ar livre. Preparem os 5 sentidos. Vão adorar!
Underdogs – apresentação do projeto
Marginal
Lisbon stories – rota de arte urbana
4. “Rapariguinha” com sangue nas guelras
É sabido que um bom título, um nome bem escolhido, a filigrana das palavras, a sua fonética e semântica que encerram são aspetos fundamentais para gerar a intriga e curiosidade que nos conduzem a novas descobertas. Cátia Mazari Oliveira sabe-o como ninguém, não fosse ela mestre da escrita, como nos revela no recente projeto intitulado A garota não.
Assume gostar de escrever mais do que de falar, e de cantar mais do que escrever. Um conjunto de influências variadas, o contacto com várias culturas desde a infância, o gosto pelo jazz e bossa nova e a experiência adquirida ao longo de vários anos a cantar versões conduziram-na à necessidade de criar espaço para a sua criação própria. No disco de estreia “Rua das Marimbas n.º7” fá-lo com uma enorme pujança interpretativa onde se reflete a beleza da sua escrita acutilante e detalhista. As palavras são escolhidas a dedo, resultando em rimas belas e deliciosas, até mesmo quando contam e cantam medos, receios, revoltas ou preocupações. Fala-se da realidade social, de diferentes lutas e de conquistas, como a maior de todas elas – a liberdade.
Destacamos ainda a manifestação consciente e desejada de recordar para não esquecer. Cátia traz à baila, ativa a memória dos grandes que já partiram deixando um legado inquebrável com reflexos artísticos e na luta pela igualdade, tolerância e liberdade. Relembra Zeca Afonso e José Mário Branco, homenageando a sua vida e obra através da interpretação de canções dos mestres. Pisca também o olho aos grandes contemporâneos como Sérgio Godinho ou Fausto.
Deixamo-vos algumas sugestões para conhecerem melhor a “garota”. Ah… é verdade… o nome. Por que se chama assim o projeto? Só vos dizemos que tem de ver com a mítica canção “garota de Ipanema”. Vão descobrir. A entrevista dada ao New In Setúbal ajudará certamente. Podem e devem também espreitar o seu canal no Youtube e as contas no Facebook e Instagram (@a_garota_nao).
Que mulher é essa?
Showcase com entrevista no auditório do Público
Canção a Zé Mário Branco
Orelha Negra com A Garota Não – Ready
Menino d’Oiro
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Discos Pedidos!
Hoje dançamos e cantamos com…
Helena Matos (Antuérpia, Bélgica)
Os anos 90 foram os grandes anos da minha adolescência. Vivi-os na companhia de um grande grupo de amigos e juntos, brincámos, rimos, chorámos, divertimo-nos, viajámos, enfim, aproveitámos da melhor forma a nossa juventude. “O primeiro dia” de Sérgio Godinho é uma canção que nos acompanhou nesse período e que ainda hoje guardo com muito carinho no coração.
O primeiro dia (ao vivo no CCB) – Sérgio Godinho
Paulo Oliveira (Cáceres, Espanha)
É difícil escolher uma só uma música, há muitas que serão sempre parte de mim porque as ouvia em família, pela rádio ou pela televisão. Vou escolher um disco em vez de uma só música por inúmeras razões. Porque era a primeira vez que ouvia esses sons de Acid Jazz de que tanto gostava mas em português. Esse CD acompanhou-me também durante os primeiros anos de viagens a Espanha e tenho muito boas lembranças associadas. Pedro Abrunhosa e o seu disco «Viagens».
Viagens -Pedro Abrunhosa
Nesta secção desejamos que partilhem connosco as vossas canções favoritas. O que é bom é para se partilhar! Podem contar estórias relacionadas com elas, quando as ouviram por primeira vez, quem ou que situações vos recordam, situações em concertos, etc. Como? Muito simples. Basta enviar-nos um e-mail para info@lusoque.es com o vosso nome e o local de onde nos escrevem, o título da canção e o seu autor/grupo/projeto e trataremos de a publicar junto ao respetivo vídeo.
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:
- João Antunes
- Joca Marino
- Nacho Flores
- Pedro Sereno
- Pilar Pino
O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos