Irmanados

LUSO QUÊ? 09/04/2021

Editorial

Irmanados… nem sempre. Nem todos. Às vezes. Em algumas coisas… em determinados momentos. A relação entre Portugal e Espanha remonta a mais de 1000 anos atrás. Está na génese criativa destas duas incríveis nações. Os conflitos e alianças, as batalhas travadas, os casamentos que uniram ou separaram, os guisados e desaguisados… deixaram marcas e raízes culturais e artísticas. Há semelhanças e diferenças. Contudo, uma certeza: há aqui qualquer coisa que partilhamos, que nos caracteriza de ambos os lados da fronteira e com a qual nos identificamos, apesar de talvez nem sabermos bem identificar o que é.

A relação entre espanhóis e portugueses parece vir ganhando um novo fôlego e um renovado fulgor nos últimos anos. Estamos cada vez mais próximos, mais além da antiga proximidade geográfica. Ultimamente temo-nos centrado mais no que nos une do que no que nos separa. Cada vez vão surgindo mais parcerias em projetos realizados por luso-hispanos. Nessa dinâmica, esta semana propomos uma visita a alguns projetos que se estão a desenvolver em solo espanhol, falados ou escritos em português. É ver a lusofonia em ação desde terras espanholas, numa demonstração de que a paixão pela língua portuguesa não tem fronteiras.

Começaremos por conhecer o C.C.L. – Centro Cultural Lusófono, que desde Sevilha vem há vários anos dedicando a sua atividade à divulgação da cultura lusófona e da língua portuguesa. Tivemos o prazer de conversar com a Presidente e o Vice-presidente da Junta Diretiva, que nos contaram detalhadamente como surgiu a associação e que caminhos tem trilhado desde então.

Depois iremos até Madrid para espreitar o que anda a fazer a editorial La Umbría y La Solana, uma editora que se propôs a si mesma o desafio de editar e publicar a obra traduzida em espanhol de vários reputados autores lusófonos. Ficaremos a saber tudo sobre os passos deste projeto aliciante, pela mão do seu representante, o editor Feliciano Nóvoa.

Segue-se a visita às páginas da revista Limite. Vamos até Cáceres, onde entrevistámos (à distância e online) o Diretor e uma das secretárias desta fantástica publicação académica redigida em português e dedicada ao português e à literatura lusófona.

Como não podia deixar de ser, reservamos um espacinho para música. Deixamos algumas propostas de canções interpretadas em parceria por artistas lusófonos e hispanos.

Os (in)Raizados esta semana trazem-nos a magnífica estória de alguém que nasceu além Atlântico e depois de muitas voltas, aterrou numa pequena povoação ao lado de Sevilha.

Mais uma semana cheia Discos Pedidos!. O que é que os nossos leitores andam a ouvir?

Até já!

1. Lusofonia com perfume Andaluz

Em conversa amena. Ou em amena cavaqueira, como se costuma dizer… assim, dessa forma tão tranquila, aberta e relaxada estivemos com dois membros da Junta Diretiva do C.C.L. – Centro Cultural Lusófono – Maria da Conceição Lucas da Silva (carinhosamente conhecida como “São”) e Pepe Aguilar (que se apresenta como “Zé” nas aulas de português). Foi à distância, mas parecia que estávamos a tomar um chá ou um café à mesma mesa. Contaram-nos toda a história da associação, como surgiu o projeto, as atividades que se têm desenvolvido ao longo dos anos e quais as projeções para o futuro. Deliciem-se e desfrutem!

A origem do C.C.L. como movimento informal remonta ao ano 2000. Naquele então um pequeno grupo de portugueses que viviam em Sevilha começaram, sem ter provavelmente consciência de que o estavam fazendo, a criar os pilares do que viria a ser o Centro Cultural Lusófono. Nesta época confluíam antigos alunos que tinham estudado português no instituto de idiomas da universidade de sevilha e queriam manter o contacto com a língua e cultura portuguesas com outras pessoas que nutriam um interesse pela cultura portuguesa (nesta época o grupo Madredeus e a presença frequente de José Saramago na cidade de Sevilha devido às raízes que a sua esposa Pilar mantém com ela, eram dois pilares que funcionavam como potente atração, dando visibilidade à língua e cultura portuguesa). Formava-se então o grupo “quartas quintas” que se reunia todas as quartas quintas-feiras de cada mês e aí se falava português, sobre arte, gastronomia, cultura… Este grupo começou a dinamizar as primeiras viagens a Portugal e as primeiras jornadas de âmbito cultural. De aí surge a ideia de formalizar a associação, em 2001 e em dezembro desse ano, aproveitando uma visita a Tavira, assinam-se os documentos de base que dão origem formal ao C.C.L., começando esta a operar em 2002 e realizando a apresentação formal no Consulado de Portugal em fevereiro de 2003, num evento memorável. Desde então tem-se verificado uma forte relação de cooperação com o Consulado de Portugal, incorporada na figura dos diversos Cônsules que passaram pelo cargo em todos estes anos.

Ao longo destas quase 2 décadas de existência o CCL vem desenvolvendo várias atividades com vista à promoção, aprendizagem e divulgação da língua portuguesa e da cultura lusófona. Destaque para: a  publicação de livros e revistas próprias com a colaboração/participação dos sócios, clubes de leitura,  realização de obras de teatro, workshops e concursos de fotografia, encontros gastronómicos par tomar contacto com os pratos de origem portuguesa, ciclos de música lusófona, noites de fado, viagens de imersão a Portugal para conhecer aspetos culturais e desenvolver competências linguísticas, organização de excursões e passeios em território português, grupos de conversação – o “cafezinho lusófono” (estando em funcionamento de forma incessante, mesmo após a pandemia – online), cursos de iniciação na língua portuguesa, concertos anuais (o momento estrela de cada ano com a participação massiva dos sócios) realizados no magnífico espaço do Consulado de Portugal (por ali passaram nomes como Nancy Vieira, António Zambujo e Salvador Sobral acompanhado por Júlio Resende num concerto extraordinário – deixamos os links diretos ao Facebook com umas pitadas do que aconteceu).

Atualmente o C.C.L. conta com 100 sócios dos quais apenas 5 são portugueses. É o resultado de um crescimento gradual, pretendendo-se manter a dimensão e escala e poder continuar a desenvolver e realizar as atividades previstas, tendo em conta a estrutura da organização não lucrativa.

Pondo os olhos já no futuro, um dos objetivos a curto prazo é conseguir pôr em marcha uma ideia que surgiu em 2016. Nesse ano realizou-se um concerto de música brasileira, com aulas de samba (dinamizado pela artista de origem brasileira, Marta Santa Maria) num espaço cedido pelo CICUS. Ao tomar conhecimento de que aí se realiza regularmente um certame de cinema africano, surgiu a ideia de adicionar uma mostra de cinema africano em português, sendo o C.C.L. o responsável por esta.

Para ficarem a conhecer mais detalhadamente o C.C.L. visitem a web oficial e a página disponível no Facebook.

2. Páginas em português, desde Madrid

Café ainda a ferver numa mão, caneta na outra, bloco de papel apoiado na mesa. Clique para ligar a vídeo chamada e zás, o rosto de Feliciano no écran com o sorriso que o caracteriza. Sorriso para cá, sorriso para lá… bom dia, tudo bem… vamos lá falar sobre uma editora espanhola que edita e publica livros de autores lusófonos… seria uma ótima ideia, sim senhor! Já existe! Sim, estivemos à conversa com o mentor e principal responsável pela La Umbría y La Solana – Feliciano Nóvoa. Contou-nos tudo sobre esta ideia que teve há alguns anos e que recentemente ganhou forma e feitio.

A origem da editorial remonta a 2016 quando as circunstâncias tornaram possível a conjugação de dois sonhos antigos de Feliciano, materializando-se no início do projeto sediado em Madrid. Primeiro, a mudança na sua vida profissional. A sua reforma do Ministério da Cultura de Espanha permitia-lhe então usar os conhecimentos e a experiência adquirida no meio cultural ao longo de anos, agora que dispunha de tempo. Por outro lado, a publicação de obras literárias de autores portugueses era um desejo de natureza pessoal, já que desde que é pessoa que tem relação próxima com Portugal, a sua gente e cultura. Nasceu em Tui (Galiza), a 200 metros da fronteira e desde cedo manifestou interesse e fascínio pela literatura lusófona.

Desde o 1º minuto estava decidido a dedicar bastante atenção à literatura portuguesa e a editorial iria seguramente publicar, à parte de autores espanhóis, autores lusófonos. Procurava então dar a conhecer a literatura portuguesa em terras espanholas, já que o público em geral conhecia apenas os nomes incontornáveis como Saramago e Pessoa. Foi, portanto, com naturalidade que os 4 primeiros livros publicados foram efetivamente todos de autores portugueses, destacando-se uma obra de Fernando Pessoa e outra de Almada Negreiros.

A editorial vem crescendo progressivamente e de forma estruturada, num esforço por pesquisar e continuar a alargar a variada oferta. Atualmente procura dar visibilidade a autores reconhecidos e também a novas caras. José Luís Peixoto, Lídia Jorge, Dulce Maria Cardoso, Rui Lage, Mário Cláudio e Antero de Quental são alguns dos nomes que formam parte do “sumarento” catálogo.

Estando de ótima saúde, a editorial projeta já o seu futuro mais próximo. Continuar a divulgar e promover o projeto junto de novos leitores, entidades e apoios são algumas das metas a alcançar. A reedição de “A Costa dos Murmúrios”, de Lídia Jorge, para retocar detalhes da anterior edição e a tradução com posterior publicação de “Adoecer”, de Hélia Correia são projetos já em marcha. Numa linha com orientação mais académica, está também a trabalhar-se na publicação das “Cartas Peninsulares” do Professor Oliveira Martins e um projeto relacionado com a História de Portugal da autoria do Professor António Apolinário Lourenço (Universidade de Coimbra).

Sonhos? Desejos… Feliciano pestaneja, respira e revela que publicar alguns dos romances de Camilo Castelo Branco, que leu durante a sua juventude, seria algo belo e que lhe daria muitíssimo prazer concretizar. Nova pausa e um suspiro… “Gostaria que o prémio de literatura Príncipe das Astúrias possa, algum dia, ser atribuído a um português ou uma portuguesa”. Não nos parece nada descabido, além de que manifesta o enorme carinho que Feliciano nutre pelos “irmãos” do outro lado da fronteira.

Querem saber mais sobre este projeto? Para além da web oficial, já disponível no primeiro parágrafo, podem consultar a conta da editorial no Instagram.

3. Sem limites

Fomos conhecer melhor a revista académicas Limite. Generosa e gentilmente o Professor Juan María Carrasco e a Professora Maria Luísa Leal, ambos docentes no âmbito no ensino da língua e literatura portuguesa pela Universidad de Extremadura, acederam a disponibilizar-nos um pouco do seu valioso tempo para contar-nos a história da revista.  O fundador e Diretor da Limite, acompanhado pela Secretária (que partilha as responsabilidades na publicação com a Professora María Jesús Fernández) foram ao detalhe e não deixaram nada por dizer.

A origem da Limite remonta ao período de 2006/2007, associada ao início da oferta da licenciatura de português na UNEX. Desde o início tem claro o objetivo de promover o estudo e divulgação da língua e literatura portuguesas, sobretudo direcionando os seus conteúdos ao público do mundo académico. Começou por publicar 1 número anual, mas o aumento de material conduziu à necessidade de passar a publicar 2 números anuais. A publicação compõe-se por duas partes ou secções – o monográfico, associado a um tema/assunto específico e a variedade onde constam entre outros artigos, as recensões críticas de obras literárias. Participam na sua estrutura organizacional a Direção (composta por 3 membros – o Diretor e as 2 Secretárias anteriormente mencionadas), o Conselho Científico (que conta, entre outros membros, com a participação especial de Nuno Júdice) e um grupo de especialistas nas várias matérias. A mecânica de seleção de conteúdos assenta na receção de artigos que são avaliados por dois avaliadores eleitos de forma aleatória e uma vez aceites pelo Conselho Científico, são publicados.

Atualmente, a equipa da revista está a ultimar os detalhes da edição de 2020, cujo tema principal é a tradução no ensino da língua (trabalho que conta com a coordenação da Professora Ana Belén García Benito, da UNEX, e da Professora Ana Diaz, da Universidade de Granada). Já na calha, a edição de 2021 que estará dedicada aos poetas chamados “menores”. Nela serão abordadas questões como o cânone literário, o valor literário, as edições de autor, a obra de Raul de Carvalho – poeta incómodo e cofundador da revista Árvore, os poetas da “geração de cinquenta” e o pouco reconhecimento global que têm merecido alguns poetas com grande reconhecimento regional.

De olho no futuro, o desejo de estar em ainda mais bases de dados de reconhecido prestígio e desse modo, tornar a Limite num “chamariz” de participação de talento (investigadores e especialistas do mundo académico)

A revista está aberta com todas as suas edições disponíveis na web oficial e pode também ser adquirida a versão impressa tipograficamente através de encomenda (já que se optou por uma edição limitada de modo a proteger o ambiente).

Vão lá espreitar!

4. Cantemos juntos

Aproveitemos esta edição com tom sinergético para escutar, cantar e dançar alguns temas que reúnem artistas espanhóis e lusófonos, gerando canções formidáveis.

Meu fado meu – Mariza + Miguel Poveda


Mi condena – Vic Mirallas + MARO


Não sou perfeito – Nininho + Nya de la Rubia


Perdóname – Pablo Alborán + Carminho


(in)Raizados

Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.

Hoje a Pilar Medrano conta-nos a estória do seu amigo Roger Weber, um carioca de gema sediado na Andaluzia.

Rogerio Reis Weber (55 años) – Gines (Sevilha)- Espanha

Embora tenha nascido no Brasil, Roger é o resultado de uma perfeita simbiose de raízes diversas. Atualmente vive em Gines, no Aljarafe sevilhano, para o qual se mudou por amor em 2016. Trouxe com ele o calor, a espiritualidade e a cor de Maricá (Rio de Janeiro).

É membro de uma grande família cuja procedência nos leva a dar uma voltinha pelo mundo. A partir da Europa, o “velho mundo” como se lhe costuma chamar, recebeu influências de Coimbra pela mão da avó materna. Por outro lado, da Alemanha recebeu influências do avô paterno que nascera no início do século XX no barco durante a travessia em que a família viajava procurando uma nova vida no Brasil. Por sua vez, “Catuta” (a avó paterna) tem raízes na América e em África. É mameluca, filha de pai negro que escapara à escravidão e de mãe indígena do Brasil. Era uma mulher bondosa, amável e inteligente. Marcou profundamente e de forma positiva Roger, o seu neto favorito.

Como facilmente se adivinhava, Roger trabalha desde sempre em prol de um mundo sem fronteiras, que defenda a diversidade e a igualdade de direitos, um lugar mais justo e espiritual. Desde muito jovem milita no movimento humanista e participa em projetos neste âmbito pela Europa, América e África.

Jornalista, locutor, ator, editor, cinéfilo… tem estado sempre ligado ao mundo da cultura. Um conversador nato, sempre repleto de reflexões interessantes, sabe ouvir com atenção e sem pressa.

Quando chegou a Sevilha organizou na cidade a primeira edição do Festival de Cine por la No-violencia Activa-FICNOVA, na capital andaluza. Atualmente é um dos editores do Cuaderno de Cultura de Pressenza, uma agência de notícias presente em 24 países e que publica os seus artigos em 8 idiomas.

És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!

Discos Pedidos!

Hoje dançamos e cantamos com…

Cesar Carceglia (Córdoba, Argentina)

Gosto imenso desta canção. Quando soube que estava dedicada à filha do Caetano, fiquei surpreendido e pensei automaticamente nas minhas. E assim acontece sempre que a escuto.

Sozinho – Caetano Veloso


Nuria Silveira Torremocha (Cáceres, Espanha)

A minha canção favorita é DESFADO, da cantora Ana Moura, ouvi a canção há oito anos, quando eu me divorciei… Então um grande amigo meu ensinou-me com essa canção que eu podia estar mais feliz com a minha nova situação. Eu sei que vocês gostarão muito!

Desfado – Ana Moura


Ivan Romero (Sevilha, Espanha)

Eu queria partilhar a minha canção em português. Não é a minha favorita, mas tenho-a ouvido muitíssimo porque durante algum tempo não podia tirá-la da minha cabeça.

Só vendo que beleza (Marambaia) – Maria Betânia + Omara Portuondo


Nesta secção desejamos que partilhem connosco as vossas canções favoritas. O que é bom é para se partilhar! Podem contar estórias relacionadas com elas, quando as ouviram por primeira vez, quem ou que situações vos recordam, situações em concertos, etc. Como? Muito simples. Basta enviar-nos um e-mail para info@lusoque.es com o vosso nome e o local de onde nos escrevem, o título da canção e o seu autor/grupo/projeto e trataremos de a publicar junto ao respetivo vídeo.

Agradecimentos

Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:

  • João Antunes
  • Joca Marino
  • Nacho Flores
  • Pedro Sereno
  • Pilar Pino

O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos