Tutti Frutti
LUSO QUÊ? 29/01/2021
Editorial
Salada de frutas! Pura energia. Vitaminas e pujança! Nela cabe um montão de coisas… a fruta que um quiser ou tiver à mão. E outros ingredientes que a vêm engrandecer. Só coisinhas boas, saborosas, coloridas e perfumadas. Todas deliciosas. Com mais ou menos açúcar ou até sem ele. Com chantili, natas batidas ou ao natural. A fruta cortadinha em pedaços geométricos, mais arredondados ou toscos. Pequenos e grandes. Com ou sem casca. Com frutas caras e exóticas ou numa versão mais espartana… tudo vale. Só no verão? Nãaaaaa… Salada de frutas é quando nós quisermos!
Eis pois que esta semana vos trazemos um registo tutti frutti, uma combinação de fazedores de mundos que ajudam a dar forma a este, tão belo e único, em que vivemos.
Vamos começar por saber algumas curiosidades sobre a salada de frutas e aprender a prepará-la em grande estilo, numa das suas infinitas versões, com um conhecido chef português.
Depois, uma colherzinha de sumo de limão por cima das frutas e iremos “curvar” pelo mundo fora conhecendo mais sobre Oscar Niemeyer, o arquiteto mundialmente famoso que odiou assumidamente o ângulo reto.
Um pequeno toque de nata… Teremos ainda tempo para observar como um filantropo arménio, por portas travessas, se viu vivendo em Portugal e ficou para sempre ligado à história da arte, cultura, ciência e ensino através do mecenato. Saltinho à vida e obra de Calouste Gulbenkian.
Antes do cafezinho, ainda uma última colherada a rapar a tigela. Apanhamos nela o exotismo da manga, o sabor fresco do coco, a frescura ligeiramente ácida do ananás. Mayra Andrade vai embalar-nos com a sua sensualidade musical.
Os (in)Raizados ficam mais uma semana em lume brando.
Até já!
1. Mix irresistível
É difícil saber quando foi inventada ou preparada pela primeira vez. A salada de frutas é certamente uma solução culinária muito antiga usada em todo o mundo. Talvez uma das maiores dificuldades em situar historicamente o seu aparecimento e desenvolvimento tenha que ver com a forma como a fruta foi perspetivada e aceite do ponto de vista sócio-cultural. Se hoje em dia está claro que a fruta crua é um ingrediente seguro e até fundamental para o crescimento e desenvolvimento dos humanos, isto nem sempre foi assim.
Atualmente associamos fruta a comida saudável, portadora de vitaminas e nutrientes necessários para o desenvolvimento harmonioso do nosso corpo e mente. É evidente que cada vez se mistura mais entre si e se combina com outros ingredientes e elementos, criando pratos verdadeiramente ricos e deliciosos.
“Salada de frutas”, do ponto de vista linguístico e comunicativo, pode sugerir um mix de muitas coisas ou até a aglomeração de uma grande quantidade de elementos pertencentes a uma mesma categoria. Em determinados contextos pode significar algo feito à pressa, de retalhos, pedaços ou fragmentos, sem grande planificação ou preparação.
Seja como for, com quem for e em que época for, será sempre uma saborosa sugestão. Fiquem com a proposta de elaboração da dita cuja, pelas mãos do grande chef (laureado com duas estrelas Michelin) – Henrique Sá Pessoa.
Receita de salada de frutas
2. O elogio da curva livre
A arquitetura conta estórias e explica muito do que se passa na evolução da civilização. No dicionário define-se como a “arte de projetar e construir edifícios”. Mas vai bastante mais além disso. Através dela sonhou-se e sonha-se um novo mundo. Os desafios e a procura de soluções, as loucuras e aventuras, os riscos e equilíbrios, os atrevimentos e ousadias, os namoros e divórcios, os casamentos e traições que os arquitetos e arquitetas tiveram com a realidade desde o início dos tempos transformaram-na. E assim continuará sendo!
A obra de Oscar Niemeyer é um marco fundamental. Há um antes e um depois. É brutalmente inspiradora, surpreendentemente inovadora e de uma beleza incrível. A visão do mestre, o seu conceito e modus operandi conceptual na forma de exercer a bela arte, modificaram a estética do planeta. Transformaram-se os espaços e a relação que temos com eles.
Foram muitas as narrativas que Oscar protagonizou. Nunca deixou de trabalhar e criar, estando ativo até poucos dias antes da sua morte – com 104 anos! Carioca, nascido em 1907, marcou profundamente a arquitetura do século XX e dos inícios do século XXI. Conhecido como o “escultor de monumentos”, projetou uma quantidade imensa de edifícios na sua longa carreira. Podemos destacar vários edifícios cívicos em Brasília (por exemplo, o Congresso Nacional), a sede da ONU (Nova Iorque), o Museu de Arte Contemporânea (Niterói), o Museu Oscar Niemeyer (Curitiba), o Centro Internacional Oscar Niemeyer (Avilés/Espanha) e a última obra que idealizou – A cidade das artes e da cultura (Essaouira/Marrocos). Esta é uma lista sobejamente incompleta…
Na página oficial da Fundação Oscar Niemeyer podem consultar mais informação sobre a vida e obra do artista.
Convidamo-vos a assistir ao documentário “Oscar Niemeyer: A Vida é um Sopro”. Aqui poderão presenciar na voz do próprio como o gosto pelo desenho, que teve desde criança, e o conduziu à arquitetura. A tremenda e estonteante humildade do artista. A presença e o respeito pela natureza no seu trabalho. O poder de ter uma ideia, uma solução. A extrema importância da liberdade, da beleza e da fantasia. A sua procura pela curva perfeita. A aversão ao capitalismo. A consciência social e o alerta para a desigualdade. A simpatia assumida pelo comunismo, o exílio e as várias ações de protesto. Também a preciosa participação de importantes figuras de quadrantes variados, que de alguma forma estiveram ligados ao artista, e contam a singular e fantástica estória do arquiteto.
Documentário – “Oscar Niemeyer: A Vida é um Sopro”
3. O negociador colecionador
Dilema! Como contar Calouste Gulbenkian em 3 ou 4 parágrafos? Já é costume, basta ver o que acaba de suceder com Niemeyer. Bom, centremo-nos nos principais aspetos sobre a vida e obra deste ilustre arménio.
Nascido em 1869, formou-se em engenharia petrolífera e desde cedo demonstrou uma especial habilidade para os negócios. Através da exploração de petróleo financiada pelas grandes corporações internacionais, acumulou ao longo dos anos uma grande fortuna.
É justamente essa riqueza, associada à sua sensibilidade, bom gosto e paixão pela arte, que resultam na extraordinária coleção que reuniu. Estima-se que a sua coleção, principalmente composta por arte europeia e asiática, rondaria as 6000 obras.
Enquanto judeu, a sua situação complicou-se durante a segunda guerra mundial, sendo perseguido e ameaçado. Acabou por visitar e, acidentalmente por questões relacionadas com a sua saúde, instalar-se definitivamente no país até à sua morte em 1955.
Criou uma fundação com o seu nome, que herdou a sua fortuna e que tem fins artísticos, caritativos, científicos e educativos. A Fundação Calouste Gulbenkian é um referente mundial no que respeita ao mecenato de talento de variados setores – artísticos, culturais, científicos e educativos. A escolha de Lisboa (Avenida de Berna junto à Praça de Espanha) como localização para a sede da fundação foi a forma encontrada pelo filantropo para agradecer a hospitalidade e apoio recebidos por si e pela sua família, em Portugal, no período crítico da segunda guerra mundial. Uma visita à capital portuguesa deve, sem duvida alguma, incluir uma visita ao magnífico espaço que alberga a fundação (belos e amplos jardins com lago, biblioteca, sala de concertos e anfiteatro, salas de exposições – a permanente e as temporárias, entre outros).
Para os que gostam do Mário Laginha (sim, foi um dos visados no número dedicado aos pianistas), um miminho. O concerto de comemoração dos 60 anos da Fundação Calouste Gulbenkian (2016) – realizado no anfiteatro natural – onde atua a fantástica Orquestra da fundação com o pianista, sob a direção do Maestro Pedro Neves.
4. Exotismo nómada
Ouvir a música de Mayra Andrade é um autêntico bálsamo para a alma. É também viajar pelo mundo, pelos vários mundos desta enorme promessa da música de raiz cabo-verdiana.
A cantora, desde cedo, embarcou numa viagem pelo globo. Nascida em cuba há 35 anos, na sua infância e juventude “vagueou” por vários países até assentar arraiais em Paris e, mais recentemente, em Lisboa. A adolescência passada em Cabo Verde marcou positiva e fortemente a formação da sua personalidade, o que veio a revelar-se um dos traços mais presentes na música que cria e interpreta.
Senegal, Angola, Alemanha e Cabo Verde foram algumas das suas paragens. Esta vivência manifestamente multicultural transportou-se para a sua música. É, portanto, natural que cante e fale fluentemente vários idiomas (incluindo, claro, o crioulo de cabo verde e o português). É também bem visível a fusão de todos estes “universos” que conhece tão bem nos ritmos e estruturas musicais que caracterizam os seus temas. Na sua obra encontramos perfumes urbanos e essências do campo ou da praia, todos equilibrados e devidamente combinados num resultado extraordinário.
A alegria contagiante, a forma sensual e intensa como se expressa e a entrega que demonstra nas suas canções, ainda mais notória ao vivo (façam favor de ir espreitar as suas atuações – deixamos aqui o vídeo do concerto no Africa Festival Würzburg – 2014) apresenta plenamente essa “salada de frutas” que a caracteriza enquanto cidadã do mundo.
Sugerimos 3 canções que vos abrirão o apetite musical e aguçarão seguramente a vossa curiosidade. Visitem a web da artista para conhecerem mais sobre a sua magnífica obra.
Afeto
Manga
Tan Kalatan
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
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