Petiscos & afetos
LUSO QUÊ? 05/03/2021
Editorial
Comes e bebes. Petiscadas, festas e comemorações… nelas os amigos, a família, quem amamos e as recordações. Pois é. Muito de nós, da nossa identidade se constrói ao redor da alimentação. O que comíamos e comemos, com quem e onde. Enquanto saciamos a fome para manter-nos vivos através da imprescindível nutrição tratamos também (até de forma inconsciente) de construir a nossa realidade. É aquele lanchinho aos domingos preparado a rigor e preceito pela avó, a jantarada anual com os velhos amigos de infância, as eternas horas a negar a comida do refeitório escolar enquanto a muito custo se engolia, o cozido familiar de domingo. Também a sopa com croquete e café a correr para regressar ao trabalho, a sandes que se prepara com carinho para os filhos levarem para a praia, os memoráveis banquetes de casamentos e batizados ou o jantar em que se pede a mão de alguém. Ainda a imperial fresca e os caracóis num qualquer final de tarde de verão, as sardinhas quentinhas a saltar em cima do pão ao som dos santos populares, a mousse de chocolate que remata um repasto.
Cada um tem a sua perceção única destas vivências associadas à comida e bebida, incluindo naturalmente protagonistas diversos. Se pensarmos neste aspeto como algo inequivocamente relacionado com o meio que nos rodeia podemos imaginar os milhões de variantes do menu pessoal de cada um.
Nesta edição, o desafio que nos propusemos é o de criar um menu lusófono. É uma tarefa impossível… mas nesta casa, a do LUSO QUÊ?, gostamos dos impossíveis. E portanto vamos atrever-nos (esperando que ninguém leve isto demasiado a sério) a sugerir aquele que poderia ser uma das 1001 combinações possíveis capaz de reunir numa ementa a infinita variedade deliciosa existente nos países e culturas que formam, todos eles, a lusofonia.
Estamos então perante uma edição com um formato diferente do usual. Hoje serão deliciosos e ricos ingredientes, os tachos e as panelas a brilhar. A ideia é apresentar a ementa com pratos e bebidas de cada um destes países que se unem através da língua portuguesa e da cultura lusófona. Seguidos de algumas receitas tradicionais para vos convidar a meter a mão na massa e ir até à cozinha experimentar. Fechamos com uma breve playlist sugerida para vos acompanhar enquanto cozinham e/ou degustam estas delícias.
Os (in)Raizados esta semana trazem-nos a bonita história de um português já com umas quantas costelas “cacereñas” (de Cáceres, entenda-se).
Continuamos de ouvidos bem abertos para descobrir o que nos guarda a secção Discos Pedidos!. O que é que os nossos leitores andam a ouvir?
Até já!
1. O nosso pitéu
Como seria esse cardápio, essa ementa democrática e flexível bem ao jeito da nossa publicação? Inúmeros caminhos, rotas e sequências gastronómicas possíveis. O manjar capaz de roçar a perfeição. Uma sala de jantar imensa onde há de tudo um pouco ou uma pequena tasca onde os pratos são servidos com carinho e muita personalidade. Cada um puxe pela sua imaginação e procure visualizar a situação.
Enquanto esperamos pela nossa mesa vamos tomando uma imperial estupidamente fresca, como manda a regra do malandro da rua. Alguns optam pela caipirinha talvez embalados pelo samba que se ouve de fundo. Houve ainda quem se atrevesse a abrir o palato com um fino e requintado vinho do Porto e um outro amigo que pediu água de coco, talvez em busca da paisagem do rio de janeiro nas suas memórias.
Os narizes detetam já a maravilhosa essência que sob a forma de perfume vai saindo da cozinha e invadindo a zona do balcão. Começamos a sentir água na boca. É a antevisão da delícia que nos espera. É uma surpresa o que iremos comer e beber, mas sabemos que naquela pequena cozinha estão chefs de várias latitudes: do Brasil, de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde, da Guiné, de São Tomé e Príncipe e de Portugal. Nada mau poderá sair daquela assoalhada.
Somos conduzidos à mesa. Está bonita e composta com as entradas. As chamuças ainda quentinhas e fumegantes ao lado dos pastéis de bacalhau. A farinheira com ovos mexidos a piscar o olho ao queijinho amanteigado de azeitão. Marisco vindo de todas as costas atlânticas cuja cultura se reúne nesta mesa. Conversas e gargalhadas. Vai-se começando a abrir as “hostilidades”, ou seja, vai-se começando a aconchegar o estômago.
O que é que se bebe? Há gostos para tudo. Um tinto do Douro, um branco alentejano ou simplesmente um verde à pressão em jarro da casa. Outros preferem o famoso catembe moçambicano (coca-cola com vinho tinto) ou um vinho de caju da Guiné-Bissau (kimbombo em Angola). Os mais moderados escolheram sumo de Nzua (feito a partir de mucua – a fruta do embondeiro).
Quem sabe de comezainas e patuscadas, sabe que é prudente comer uma sopinha antes de atacar os pratos fortes. Acamam o estômago e só têm coisinhas boas. Como se não houvesse por onde escolher… caldo verde, canja de galinha ou uma sopinha de feijão com massinhas. Claro está que também houve quem se deliciasse com uma saladinha de agrião ou de alface com cebola e coentros.
Avançamos para os pratos principais. Aqui a coisa começa realmente a compor-se. É que as opções são imensas e todas muito convidativas. Carne ou peixe? Vegetariano? Temos de tudo um pouco. Vi passar a fumegar o espeto do rodízio brasileiro com picanha e cupim e maminha, rodeado pelo arrozinho branco, o feijão preto e a fruta (ananás e manga) para desenjoar. Do outro lado, um grupinho de angolanos via como aterrava à sua frente uma rica moamba de jinguba (amendoim) com funge. Os guineenses pediram arroz para acompanhá-la, como manda a tradição, mudando o nome à moamba e chamando-lhe chabeu. Vi as maravilhas que saíam da brasa do churrasco – o franguinho e o entrecosto com batatinhas, o bacalhau e o polvo à lagareiro, as sardinhas e os carapaus com arroz de tomate. De relance observo em frente como chegam as delícias moçambicanas: a matapa e o caril de amendoim. Esta é mesa é tão grande e somos tantos que chega a ser difícil observar tudo o que aqui se passa. Um casal brasileiro vai tirando a tampa ao tacho da feijoada, enquanto termina a moqueca de marisco. O são tomense está totalmente concentrado no maravilhoso calulu de peixe, de que desfruta avidamente.
O tempo vai passando, as conversas crescendo e o volume da mesa subindo. Todos satisfeitos, todos sorrindo. Começam a ser retirados os pratos e vai-se ajeitando a mesa. Alguém se lembra que uma festa como esta não pode terminar sem sobremesas, café e digestivos. Como é que pedimos? Uma de cada para o centro e todos provam!
Nova avalanche de sabores. A mousse de chocolate a querer empurrar o arroz doce e a baba de camelo. O bolo de bolacha a travar-se de razões com o pudim flan, primo do molotof. A sericaia em longos diálogos com os brigadeiros e o quindim. Nada tímida, no seu estilo mangolé está a kifufutila de amendoim arrebitado.
Chegam os digestivos, em modo de sapadores, para salvar a situação. Licor beirão, grogue (aguardente de cana cabo-verdiana), a aguardente (“bebida do chefe”, em Angola), um bagaço, uma cachaça ou uma macieira.
Abraços e beijos. Breves despedidas até ao próximo encontro. Toda esta fantasiosa estória à volta da comida, das gargalhadas e sorrisos, piadas e anedotas não é mais que o desejo e a certeza de que em breve poderemos unir-nos e abraçar quem amamos, voltando a escrever sem tinta as narrativas que nos definem.
2. As receitas
Vamos lá espreitar algumas propostas de receitas de alguns dos deliciosos pratos que formam a nossa ementa. Atenção que aqui vão encontrar as receitas do povo, feitas pela gente que sabe realmente do que está a falar. Não esperem vídeos espetaculares, grandes planos ou efeitos especiais. Mas o principal está lá – a arte de bem cozinhar com carinho e dedicação.
Calulu de peixe de São Tomé
Cachupa de cabo verde
Matapa moçambicana
Moamba angolana
Bacalhau à lagareiro
Brigadeiro brasileiro
3. A banda sonora do manjar
E agora deixamos aqui uma listinha de belos temas para ouvirem pela ordem que quiserem enquanto preparam estas ou outras receitas lusófonas. Misturem, fundam, organizem, baralhem e voltem a dar. Bom apetite!
Seu Jorge – Burguesinha
Dino D’Santiago – Kriolu feat. Julinho KSD
Mind a Gap – Todos gordos
Deltino Guerreiro – Com Amor Se Paga
Bonga – Mulemba Xangola
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
Hoje vamos conhecer a estória de Paulo, um lisboeta apaixonado por Cáceres.
Paulo Oliveira (48 anos) – Cáceres, Espanha
Hoje, a Elisa e o José Carlos falam-nos do Paulo Oliveira (seu amigo e professor de português), um homem de Lisboa, que mora em Cáceres há 15 anos. Já é quase espanhol!
Ele veio para Cáceres por amor e foi cativado pelo nosso modo de vida. Mas, nem tudo foi fácil! No começo, sentiu-se um emigrante, não falava espanhol e tinha saudades de Portugal, o seu belo país.
Com o passar dos anos e depois de trabalhar em audiovisuais no Centro de Cirugia de Mínima Invasão de dar aulas dessas matérias na Câmara Municipal e academias da cidade, de ser empregado de mesa, de trabalhar numa loja de música e muitas outras coisas, hoje em dia dá aulas de inglês, português e guitarra.
A música esteve e está sempre presente na vida do Paulo e por isso mesmo vai saltando entre o baixo e guitarra nas 4 bandas distintas em que participa. Tem também, um canal no Youtube onde toca algumas músicas, versões e originais. Deem uma olhadela!
Com uma das suas bandas, Kaplan, gravou há um ano um álbum, “Speaking in Silver”. Kaplan é uma banda formada por músicos de diferentes partes do mundo (Espanha, Portugal e Reino Unido) que faz uma música muito pessoal e agradável. Podem ouvi-los no Spotify. Mas não é a primeira vez que o Paulo grava em estúdio, já que em Portugal, mais concretamente em Tomar, gravou com Ex-Cedentes, a primeira banda da sua vida. Era um grupo de miúdos portugueses que gostavam de rock e do qual o nosso protagonista guarda boas lembranças.
Além de ensinar-nos o seu bonito idioma, nas aulas de português ele fala sobre a História e os costumes portugueses. Vemos monólogos, ouvimos canções e lemos livros e outras publicações como o LUSO QUÊ?.
O Paulo é um homem feliz, agradável e educado, que ri muito e tem muitos amigos. Os seus alunos adoram-no!
És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Discos Pedidos!
Hoje dançamos e cantamos com…
Bruno Coelho (Lisboa)
“Azul é o mar” simplesmente porque o mar é muito (e muito azul) aqui em Portugal! Carlos Bica também é um (in)Raizado, contrabaixista português que encontrou estes dois colegas em Berlim: o alemão Frank Mobus na guitarra e o americano Jim Black na bateria. Trio maravilha, que tive a oportunidade de ver várias vezes ao vivo. Este tema em especial leva-me até aos anos 90, e lembra-me muito as férias de Verão na Zambujeira do Mar. O vídeo tem bonitas imagens da nossa Lisboa!
Azul é o mar – Trio Carlos Bica, Frank Mobus e Jim Black
Rita Veloso (Oeiras)
Como amante da música brasileira e do seu povo, esta música expressa bem a essência do povo brasileiro. É um espanto como a alegria transborda nas palavras. Deixa-me feliz e espero que a partilha vos transmita o mesmo.
O meu lugar – Arlindo Cruz
Nesta secção desejamos que partilhem connosco as vossas canções favoritas. O que é bom é para se partilhar! Podem contar estórias relacionadas com elas, quando as ouviram por primeira vez, quem ou que situações vos recordam, situações em concertos, etc. Como? Muito simples. Basta enviar-nos um e-mail para info@lusoque.es com o vosso nome e o local de onde nos escrevem, o título da canção e o seu autor/grupo/projeto e trataremos de a publicar junto ao respetivo vídeo.
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:
- João Antunes
- Joca Marino
- Nacho Flores
- Pedro Sereno
- Pilar Pino
O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos