Pacifica(mente)

LUSO QUÊ? 05/02/2021

Editorial

Depois da paz… Há realmente um “depois”? Quanto tempo duram as pazes? Será que não andamos antes numa busca permanente por esse estado de equilíbrio? Enquanto os séculos continuam a transcorrer, sem botão de pausa que nos valha, e ainda na ressaca da celebração do dia mundial da paz, sublinhemos os espíritos tolerantes, empáticos, e que cheios de esperança vivem pacificamente dedicando-se à arte que amam. Afinal de contas, fazer o BEM não é assim tão difícil.

Começaremos por numa breve nota recordar o trabalho extraordinário que dois timorenses – José Ramos Horta e o Bispo Ximenes Belo – realizaram no processo de pacificação do conflito entre a sua terra e a Indonésia, no final do século XX.

Em seguida, atravessamos o Atlântico para conhecermos Mauricio Araújo de Sousa e como ele vem encantando gerações com as divertidas estórias da sua “turminha”.

Entretanto, meio distraídos ou apenas curiosos, talvez nos surjam algumas dúvidas sobre língua portuguesa. Vamos então dar um saltinho online às CiberDúvidas da Língua Portuguesa e esclarecer tudinho.

Já com a cabeça leve e as ideias claras, vamos até à praia assistir às maravilhas rendilhadas que Nic Van Rupp realiza controlando com singular mestria a sua “tábua” por entre as ondas.

Quase a finalizar, um momento musical pelas mãos de um homem que cantou com coração, desde as profundezas da tolerância, com o dom pacificador. Dançaremos e cantaremos embalados por Waldemar Bastos.

Os (in)Raizados desta semana são um maravilhoso casal de amigos que anda há uma década a “espalhar” a língua portuguesa por terras africanas.

Até já!

1. Ainda a paz

No final dos anos 90, o conflito pela desejada soberania da Indonésia resultou na ocupação pela força do território timorense. O conflito ficou marcado por massacres a civis indefesos e por complicados conflitos políticos, geradores de dor e sofrimento no coração de um povo pacífico. Foram tempos de imensa instabilidade no país. A comunidade internacional tentava intervir e apoiar, mas enquanto a ajuda tardava em chegar e as soluções pareciam distantes houve dois homens que desde cedo se destacaram pelas suas ações na procura da paz para Timor.

Pacificadores, ambos lusófonos. Falamos de José Ramos Horta (reconhecido pelo seu trabalho diplomático e político) e do Bispo Ximenes Belo (cuja ação de ajuda e apoio à população mereceu destaque).

Quisemos celebrar novamente a distinção com o Prémio Nobel da Paz feita a ambos no ano de 1996, recordando que agora mais do que nunca é tempo de arregaçar as mangas e começar a criar pontes, perdoar, unir, comunicar, construir, juntar, pacificar, ser tolerante e flexível mentalmente e pensar no todo e não apenas nas partes. Como humanos, praticar a humanidade. Será tão difícil?

2. A turminha do Mauricio

Ao longo de 6 décadas, a banda desenhada criada pelo cartunista Mauricio Araújo de Sousa tem alegrado e feito feliz uma geração atrás da outra. Miúdos e graúdos a rir! O criativo empresário, membro da Academia Paulista de Letras, criou um universo divertido, colorido e pedagógico onde se cruzam personagens humanas e animais em narrativas cativantes.

Estamos, claro, a falar da Turma da Mônica! Esta fantástica banda desenhada brasileira assenta as suas estórias nas peripécias de protagonistas com características vincadas e exageradas, que as tornam fortes e ao mesmo tempo próximas dos leitores. Há um bocadinho de tudo… O menino que detesta tomar banho – Cascão, a menina que está sempre a comer fruta – Magali, o cãozinho azul – Bidu, o menino do interior brasileiro, Chico Bento… destacando as duas estrelas Cebolinha (menino que não diz os erres) e Mônica que munida da sua forte personalidade, pretende sempre controlar o que acontece em cada aventura.

São já imensas as personagens e também a quantidade de turmas que foram surgindo depois da original, a da Mônica. A evolução da “turma” tem sido realmente exponencial. Inicialmente era publicada em papel, no típico formato de banda desenhada, mas ao longo dos anos expandiu-se para a televisão e cinema, ocupando formatos muito variados. Uma visita pela web oficial permite conhecer a fundo a estória da publicação e do seu autor.

Também podem consultar o canal de youtube onde encontrarão vídeos variados, entre os quais episódios e edições especiais ou comemorativas da banda desenhada, como este que aqui deixamos.

Maratona – episódios mais vistos em 2020


Por favor, dediquem uns minutinhos a viajar nas peripécias, aventuras e desventuras desta “turminha”.

3. Duvidas que tens dúvidas?

Ter a capacidade de duvidar, dizem,  é uma excelente alavanca para a aprendizagem e evolução. Nativo ou não, dúvidas de língua portuguesa surgirão!

Uma equipa de gente dedicada, altamente preparada, e apaixonada pela língua portuguesa vem, desde 1997, procurando esclarecer as mais variadas dúvidas relacionadas com o uso do português. O espaço online CiberDúvidas da Língua Portuguesa é um projeto sem fins lucrativos e que, de forma inclusiva e aberta, trata de debater e promover o português “numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa”.

Na página web podemos procurar a resposta a dúvidas que foram anteriormente colocadas, colocar novas dúvidas e explorar artigos interessantíssimos relacionados com a temática da língua portuguesa e seus protagonistas.

A quem interessa? A alunos e professores, pais e encarregados de educação ou tutores, escritores, jornalistas, tradutores… a todos os que usam a língua portuguesa e nutrem uma especial paixão pela língua de Camões.

Não esperem mais e vão lá dar uma voltinha!

4. Navegante contemporâneo

Portugal é por excelência uma terra de navegantes. Quantas estórias se poderiam contar sobre os mares? Desde os corajosos e valentes lusitanos que se atreviam a sulcar os oceanos em busca de terras e culturas novas, até aos destemidos pescadores do bacalhau nos mares escandinavos… são narrativas a perder de vista. É indubitável a relação de proximidade que o povo e a cultura portuguesa têm com o mar. Está sempre presente. Na gastronomia, na literatura, na música, no cinema…

Nas últimas décadas Portugal tem aumentado significativamente a relevância dada ao surf. Se por um lado se trata de um setor que produz enorme riqueza, por outro a qualidade dos espaços naturais e as especificidades geográficas (concretamente as características climatéricas que proporcionam ondas incríveis) do país vêm-no colocando no top dos destinos mais procurados e cotados do circuito mundial de surf .

Hoje falamos, por tudo isto, de um marinheiro moderno – Nic Von Rupp – “sacado do forno” dos grandes surfistas lusófonos. É sem dúvida uma das maiores promessas do panorama atual.

Nic nasceu em Sintra, em 1990, filho de pai alemão e mãe portuguesa. Desde cedo mostrou uma habilidade especial para o surf. Entre 2004 e 2007 ganhou vários prémios e alcançou ótimas classificações nos campeonatos internacionais em que participou como júnior, o que lhe valeu um importante contrato com a Quicksilver. A partir daí foi sempre a subir até ao topo. Em 2009, já como sénior,  estreou-se no circuito mundial e através da extrema dedicação e trabalho, aliados ao seu talento inato, foi alcançando posições no top 10 em várias competições ao longo dos anos. 2013 foi um ano excelente e que marcou uma grande mudança na sua carreira. Foi integrado na fabulosa equipa da Hurley e recebeu um incrível patrocínio da Monster. O ano seria coroado com um momento alto e de destaque – a presença na lista dos melhores 100 surfistas do mundo.

A atitude de Nic face à sua paixão, a arte do surf, expressa uma constante vontade de romper barreiras e fazer o que ainda não foi feito. A sua irreverência e a constante fome por novos desafios, resultam numa abordagem às ondas muito particular. No vídeo documental “Rail Road” podemos observar como o surfista português se lançou numa expedição de comboio por toda a Europa em busca das melhores ondas, reveladora da sua atitude face ao surf e à vida.

Rail Road with Nic Von Rupp


Não podíamos falar de surf em Portugal sem mencionar as famosas e tão cobiçadas “ondinhas” da Nazaré. Deixamos, portanto, um vídeo onde vemos como o Nic surfa com valentia e precisão as gigantescas ondas da Nazaré.

Giant Waves in Nazaré


Se quiserem saber mais sobre este mestre das ondas, em paz com ele mesmo, visitem o seu facebook e instagram.

5. “Muxima” imenso

A estória deste cantor, músico e compositor angolano está repleta de eventos e circunstâncias que podiam ter contribuído para que fora tudo, menos um homem profundamente preocupado e ocupado em fazer o bem.

É surpreendentemente a forma como o sofrimento pode originar um discurso centrado na unificação, tolerância e interculturalidade. No caso de Waldemar Bastos e da sua obra musical, é explícita e presente essa mensagem de fraternidade universal, esperança, perdão e construtivismo positivo.

Esteve preso durante alguns anos, sem motivo. Coisas da PIDE… Já com uma promissora carreira a nível internacional, viu-se obrigado a seguir à independência (1975) a abandonar Angola. O terror da guerra civil, a instabilidade política, o drama da miséria provocada pelo derramamento de sangue inocente tornaram-se insuportáveis para o artista. A isto juntou-se o facto de entender claramente que naquele momento e naquelas circunstâncias se congelavam as hipóteses de crescimento artístico.

Partiu, com Angola no coração, no “muxima” (palavra usada neste país para designar o coração) e dedicou a vida a cantar a sua terra e a identidade de um povo. Viveu no Brasil vários anos e posteriormente em Portugal, até à sua morte. As suas canções transmitem essa multiculturalidade e espírito aberto de viajante. Ora em ritmos mais dançantes, ora em baladas mais pausadas, em português ou em dialetos angolanos (às vezes salpicados com a pronúncia brasileira) vai contando e cantando as agruras e dificuldades, a beleza da sua terra, a fraternidade entre angolanos, estórias da guerra e da independência.

O homem que sofreu imenso pela “sua terra, sua Angola” nunca perdeu a esperança num mundo melhor e mais justo, sabendo pelo caminho perdoar e sempre procurando unir através da tolerância…(espreitem e oiçam algumas das suas palavras, tão conciliadoras, a propósito do último disco que gravou em 2012 com a London Symphony Orchestra).

Deixou-nos em agosto de 2020, mas ficou o seu maravilhoso legado. Deixamos aqui algumas das suas canções mais emblemáticas.

Em concerto – Jarasum Jazz Festival 2013


Velha Xica Velha Xica (featuring the London Symphony Orchestra)


Disco “Preta Luz”


(in)Raizados

Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o  quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.

Esta semana vamos conhecer a fabulosa estória do Leandro e da Xana.

Leandro Brandão  (38 anos) e Xana Esteves (45 anos) – Joanesburgo, África do Sul

Somos um casal de professores (o Leandro de Esmoriz e a Xana de Ponte de Sor) que se conheceu em 2007, na Escola Básica e Secundária Dr. Isidoro de Sousa, em Viana do Alentejo, onde ambos fomos colocados.

Partilhamos o gosto por viajar e conhecer diferentes realidades. Em 2011, motivados por este interesse comum e pela desmotivação da condição de professor que se vivia em Portugal, decidimos deixar o país e lecionar na África do Sul. Partimos com o objetivo de ficar 1 ou 2 anos. No entanto, já passaram 10 anos e ainda aqui estamos… e regressar, para já, não está nos nossos horizontes.

Viver na África do Sul, em Joanesburgo, tem sido uma incrível lição de vida. Estar num país tão pluricultural e com contrastes socioeconómicos extremos, tem-nos ensinado a compreender a perspetiva de ângulos opostos e a relativizar problemas ou obstáculos. E, ao mesmo tempo, valorizar aquilo que tantas vezes damos como garantido, nomeadamente o acesso a educação ou saúde…

Ensinamos português, enquanto língua estrangeira, para alunos de todas as idades, num ambiente multicultural. A aprendizagem e a partilha são mútuas, embora tenhamos a noção que a maioria dos estabelecimentos onde lecionamos, está longe de representar a condição socioeconómica da maioria da população.

Moramos numa área modesta com vizinhos de diferentes origens, credos e nacionalidades: zulus, xhosas, africânderes, moçambicanos, indianos, árabes, etc… Algo ainda pouco comum numa África do Sul onde o apartheid ainda tem fortes raízes. A tendência social do ser humano, em qualquer parte do mundo, é a de agrupar-se junto dos que partilham a mesma língua e identidade cultural. Esforçamo-nos por sair dessa bolha.

Joanesburgo é a maior metrópole do país, tendo um número de habitantes semelhante ao de Portugal (cerca de 10 milhões). A nossa longa estadia tem nos permitido sair da vasta metrópole e conhecer o imenso país de norte a sul e de este a oeste, bem como os recantos mais isolados, onde as raízes culturais predominam e as maravilhas naturais emergem. A diversidade e o contraste acentuam-se quando se atravessam fronteiras e se percorrem países vizinhos tão díspares como o Lesoto, a Namíbia, o Botsuana, Moçambique, Madagáscar, e outros…

A experiência em África tem contribuído para uma consciencialização pessoal, social e existencial: a perceção de que as sociedades, do chamado mundo ocidental, não são necessariamente mais éticas, tolerantes e inclusivas; de que a exploração (des)humana dos recursos naturais em África é, em grande parte, fruto de um colonialismo económico que se perpetua (sobretudo em países consequentemente mais instáveis); e de que a (des)conexão da espécie humana com outras espécies e o mundo natural, determinam o bem-estar da sua existência. Afinal, ao contrário de outras, a nossa existência enquanto espécie depende da existência de outras. E nenhuma depende de nós…

És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!

Agradecimentos

Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:

  • João Antunes
  • Leandro Brandão
  • Nacho Flores
  • Pedro Sereno
  • Pilar Pino
  • Xana Esteves

O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos