Até já, Mestre!
LUSO QUÊ? 08/01/2021
Editorial
Os reis magos deixaram-nos uma prenda espetacular! Anunciamos finalmente o lançamento da nossa página web, HOJE.
Após vários meses de desenvolvimento, numa estreita e imprescindível colaboração com o fantástico Nacho Flores (grande amigo made in Murcia), está pronta. Graças ao seu engenho e generosa dedicação, podemos navegar confortavelmente, com estilo, fino design e elegância, sem perder pitada dos conteúdos disponíveis. Muito obrigado!
A partir de agora o acesso à nossa publicação passa a estar disponível online em www.lusoque.es, tornando a experiência e interação mais intuitiva, mais fácil e também mais apelativa. Lá encontrarão também a proposta de ensino e aprendizagem de PLE (Português como Língua Estrangeira) através do “método Nuno” – flexível e adaptável a todos os níveis, perfis de aluno, motivações e objetivos. Ainda não foram lá espreitar? Não esperem mais e deem já um salto lá!
Fazer um número dedicado ao FADO era um desejo assumido desde o primeiro dia. Nada acontece por acaso. No início da semana passada tínhamos decidido avançar para este número desenvolvendo artigos relacionados com o fado, os seus intervenientes, os espaços, os protagonistas, os figurantes e os que sem estar com o foco a eles apontado são imprescindíveis para que o fado aconteça. Não poderá ser assim…
De repente, no dia 1, logo no início do 20+1, partia Carlos do Carmo. Ao realizar-se o seu fado (destino), o FADO e toda uma nação ficou tristemente de luto e, contudo, simultaneamente, celebrava-se a eternidade do Homem e da Obra. Quando se diz Carlos do Carmo diz-se uma imensidão. Diz-se génio, mestre, avô, pai e marido, amigo, cidadão ativo… homem do mundo e da cidade (a sua cidade – Lisboa). Diz-se artista, fadista, intérprete, contador e cantador. Diz-se, inevitavelmente, FADO. Não há volta a dar… e tampouco temos vontade que seja de outra forma. Contemos e cantemos o fado procurando homenagear da forma possível e genuína Carlos do Carmo. Não se adivinha tarefa fácil contar a vida e obra deste “gigante”, nem é nossa pretensão fazê-lo plenamente aqui neste espaço com recursos e tempo limitados. Contudo tentaremos dar umas boas pinceladas sobre a vida do mestre para aguçar o vosso interesse e curiosidade e, assim, fomentar a pesquisa e descoberta. Este LUSO QUÊ? vai inteirinho para ele. Muito obrigado, “Mestre”!
Os (in)Raizados continuam em lume brando. Temos feito vários contactos com o intuito de trazer-vos novas narrativas e prometemos voltar com mais estórias vibrantes em breve. Quem se atreve?
Até já!
Até já, Mestre!
Poucos são os que conseguem reunir unanimidade em relação à sua própria pessoa, bem como à sua obra. É raro atirar um nome ao ar e constatar a total aceitação, a conexão absoluta e o sentimento de pertença com ele. Escassas vezes se encontra alguém de quem nunca se ouve uma agrura, um comentário fora do sítio, insultos ou qualquer palavra dura. Homenageamos alguém que era absolutamente respeitado quer no meio artístico, quer nos restantes meios e setores da sociedade.
Carlos do Carmo (C.d.C.) era (como custa ainda escrever o pretérito!!!) um verdadeiro senhor, um cavalheiro. Alguém que sorria sempre. Alguém que apoiava e motivava quem o rodeava. Um homem que pensava e refletia, que tinha valores e convicções e as defendia abertamente. Quando falava, dava gosto e merecia absolutamente a pena escutá-lo com toda a atenção (afortunados os que tiveram a honra de conversar com ele). Humilde e trabalhador incansável, empurrou os atrevidos jovens que despontavam para a arte que amava, o que lhe valeu a elogiosa alcunha de “Mestre”. Alguém que canta e conta estórias da vida, de amores e desamores, das gentes, dos que pouco têm e dos que têm de sobra, das ruas, das calçadas alfacinhas, dos jardins perfumados, da sua Lisboa que conhece como ninguém. Alguém que viveu intensamente, viveu muito e com muitos – fez viver. Teve a sorte (embora a sorte custe muito trabalho, como se costuma dizer) de rodear-se sempre dos melhores músicos e letristas ao longo da sua longa carreira. Nunca esqueceu os grandes mestres que o antecederam, inspiraram e tornaram sólidas as fundações da sua paixão a que dedicou a vida – o fado. Alguém que viveu privado dela, por ela ansiou e lutou, acabando por vê-la chegar – a liberdade, que amou e cantou com alegria e orgulho. Um homem reto e honrado, mas brincalhão e divertido, com um invejável sentido de humor. Alguém que inspirou e representa todo um povo. Provavelmente, sem o procurar ou desejar, na sua missão incansável de cumprir o FADO, tornou-se num símbolo de Portugal e é sem dúvida (juntamente com Amália Rodrigues) o embaixador desta forma de arte lusitana que ajudou intensamente a divulgar por todo o mundo.
Seguidamente, abordaremos, não necessariamente numa lógica cronológica, aspetos e factos relevantes sobre a vida e obra do nosso homenageado que na sua carreira de mais de 50 anos de longevidade acumulou centenas de concertos, cantou aproximadamente 250 canções próprias distribuídas por mais de 40 álbuns em estúdio e ao vivo. Falemos então deste Senhor que encantou com a sua arte e carisma várias gerações, não se ficando por aqui – a aventura póstuma continua!
Pode dizer-se que C.d.C. nasceu no fado. O seu pai era o proprietário de umas das mais reputadas casas de fados de Lisboa – o Faia – e a sua mãe era a fadista Lucília do Carmo. Teve pois a oportunidade desde muito novo de sorver o ambiente e atmosfera tão próprios dos locais onde se canta o fado, chegando a assistir ao vivo a nomes icónicos como Alfredo Marceneiro e Maria Teresa Noronha. Estudou na Suíça, tendo acesso a uma educação e instrução de qualidade (pelo que falava fluentemente vários idiomas), algo reservado a poucos naquela época. Confessou que em jovem andou afastado do fado, encantando-se mais pelas sonoridades das estrelas da época – Frank Sinatra e Jacques Brel.
Em 1962, após a morte do seu pai, assume a gerência de “O Faia” e começa a atuar para os clientes, dando o salto para uma assumida carreira musical em 1964. O início dos anos 70 marca um período de intensa reaproximação ao fado, gravando vários trabalhos.
Por morrer uma andorinha
Em 1976, ainda no fervor da recente revolução de abril, assume o protagonismo total no Festival da RTP, onde surge como único intérprete e canta 8 canções.
No teu poema – Festival da RTP (1976)
Em 1977, lança Um Homem na Cidade, disco que ficou na história da sua carreira e também do fado. É claramente um disco que canta a liberdade reconquistada e a esperança renovada, enquanto nos leva a passear pela bela Lisboa. Conta com a importantíssima colaboração do seu grande amigo Ary dos Santos nas letras e apresenta composição e arranjos inovadores para a época.
Um homem na cidade (legendas em espanhol)
A década de 80 veio coroar o percurso internacional que C.d.C iniciara nos inícios dos anos 70. Os dois concertos de estreia que deu no Olympia de Paris em outubro de 1980 são disso bom exemplo e marcam essa viragem, esse crescimento e a dimensão internacional do artista.
Medley do concerto no Olympia de Paris (1980)
A partir do início da década de 90 a carreira, já consolidada e consagrada de C.d.C., teve uma evolução e desenvolvimento muitíssimo profícuos. Entre discos gravados e digressões, apresentou um programa de 30 episódios, com o seu nome na TV e atuou nos mais importantes e reconhecidos palcos a nível nacional e internacional.
Raul Mendes & Carlos do Carmo no Coliseu (1994)
“I’ve got you under my skin” (1995)
A chegada do século XXI trouxe consigo um C.d.C. cada vez mais artisticamente ativo.
Não podemos deixar de sublinhar a forma como C.d.C. contribuiu diretamente, enquanto Embaixador Oficial, para a candidatura (ganha) do Fado a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Este vídeo demonstra com grande fidelidade a origem e evolução do Fado.
Destacamos a forma como se evidenciaram ainda mais as colaborações com outros artistas – consagrados e também jovens debutantes. Conhecido pela sua generosidade para com os colegas de profissão e todos os que colaboraram na sua obra (letristas e músicos, também técnicos), por artistas de outras artes, sempre atento ao panorama musical, participou inúmeras vezes em projetos colaborativos. Apadrinhou muitas caras novas do fado, sem ser paternalista ou sequer vangloriar-se por isso, antes pelo contrário. Seria impossível publicar aqui todas as referências, deixamos portanto apenas alguns bons exemplos.
Carlos do Carmo & Bernardo Sasseti – O Sol
Carlos do Carmo & Mafalda Arnauth – Nasceu Assim, Cresceu Assim
Carlos do Carmo & Rui Veloso – Os velhos do jardim
Carlos do Carmo & Mariza – Estranha forma de vida
Carlos do Carmo & Camané – Por morrer uma andorinha
Referir também um dos seus concertos mais emblemáticos, quando comemorou em 2004 os 40 anos de carreira num momento único recheado de convidados e surpresas, no Coliseu dos Recreios em Lisboa. Vemos também na entrevista de 2013 para o programa Só Visto, a propósito dos 50 anos de carreira e do lançamento do álbum de duetos “Fado é Amor”, a sua faceta humana, na simplicidade, humildade, educação e humor com que interage com Sílvia Alberto. Fica ainda um dos seus concertos do final da década. Carlos do Carmo ao vivo no Largo de São Carlos, Lisboa – 9 de Setembro de 2016
Em 2019, com 79 anos, anunciou a despedida definitiva dos palcos. No dia 9 de novembro do mesmo ano deu aquele que seria o seu último concerto, no Coliseu dos Recreios de Lisboa. E já então começava a instalar-se a saudade… No mesmo ano, o DJ Stereossauro, num dos mais assinaláveis trabalhos discográficos dos últimos tempos, Bairro da Ponte, prestava-lhe homenagem pelo seu contributo ímpar para a música e cultura portuguesa, através da publicação de uma versão de “Cacilheiro”.
Deixamos também aqui o registo da sua última entrevista, concedida ao Diário de Notícias, no passado dia 19 de novembro e novamente publicada no passado dia 4 de janeiro. Apesar de já se encontrar fragilizado, mas plenamente lúcido, não foi capaz de negar uma breve entrevista… que durou”só” 2 horas. O mestre era assim.
Ao longo da sua carreira foram imensos os prémios e distinções que recebeu a nível nacional e internacional. Para não arriscar maçar os leitores com dados que são facilmente consultáveis, destacamos a distinção como Comendador da Ordem Infante D. Henrique (em 1990, pelo Presidente da República, Jorge Sampaio) e a distinção como Grande Oficial da Ordem do Mérito (em 2016, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa). Em 2008 recebeu em Espanha o Goya na categoria de melhor canção original com o “Fado da Saudade”. Em 2014 recebeu o Grammy Lifetime Achievement pela sua carreira musical. Estes são apenas alguns dos muitíssimos que recebeu.
Grandes êxitos, canções incontornáveis e inesquecíveis… são inúmeras. Fiquemos com alguns dos temas que se transformaram em hinos, que marcaram momentos históricos, que ajudaram várias gerações a trilhar o seu caminho. Todo este palmarés foi, curiosamente, criado por um génio que não tocava qualquer instrumento e tampouco escrevia as letras das canções. Talvez este facto lhe atribua ainda maior valor, destacando a pujança do seu caráter e o forte carisma, aliados a uma capacidade interpretativa incomum e uma singular empatia com o público, que manteve sempre. Ouvidos bem abertos e silêncio que se vai cantar o fado!
Lisboa, menina e moça
Rosa da noite
Os putos
Estrela da tarde
No teu poema
Fado do Campo Grande
Agora, no adeus sentido, surgem novas homenagens ao “Mestre”. A Câmara Municipal de Lisboa decretou “Lisboa, Menina e Moça” como canção oficial da capital portuguesa. Vários artistas que de alguma forma trabalharam, colaboraram, aprenderam com C.d.C., numa iniciativa da Rádio Comercial, conseguiram num par de dias gravar um vídeo onde aparecem interpretando uma emocionante versão da canção, em jeito de agradecimento eterno. Após a notícia do seu falecimento foi decretado um dia de luto nacional em Portugal.
Muito obrigado Carlos do Carmo! Sabemos que não é um adeus, apenas um até já!
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:
- João Antunes
- Nacho Flores
- Pedro Sereno
- Pilar Pino
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