Na ponta da agulha
LUSO QUÊ? 18/12/2020
Editorial
Nesta última edição de 2020 (fazemos uma pausinha paras as festividades) queremos levar-vos alegria e positividade, já com os olhos e o coração esperançadamente postos no 20+1.
Vamos pois dedicar esta edição à música e dança como meio de celebração e detox. O nosso gira-discos deixará que nos adentremos num vinil múltiplo e pluralista, um universal esperanto sonoro, para navegar embalados pelas melodias criadas em diferentes lusofonias.
No final de um 2020 tão singularmente surpreendente, tratemos de celebrar a união, o conjunto, a cooperação, a amizade entre culturas, nações, raças de homens e mulheres. Demos voz, usemos a linguagem do mundo, aquela que é una e que todos conhecem. A da paz, da empatia, da tolerância, do respeito e do amor!
A agulha toca o disco, o som vintage, o ruído fino da antecipação e somos imediatamente arrebatados pelo ritmo. Chega Gonzaguinha espalhando alegria e cantando a inabalável esperança de um povo.
Continuamos a escuta, agora com mais intensidade na poesia cálida e doce de Eneida Marta Cantam-se e contam-se estórias de vidas e de uma terra onde apesar das dificuldades, há sempre espaço para mais um sorriso genuíno.
O set atinge o seu ponto médio. Baterias já recarregadas e alma sanada, urge novo momento dançante e Pacas vai tratar do assunto. Contem com movimento, energia contagiante através da união das influências africanas com inúmeros géneros e uma capacidade interpretativa incomum.
Não deu para descansar… Vamos deixar-nos guiar pelo experimentalismo e a conjugação de sonoridades que aparentemente podem parecer distantes ou que dificilmente namorariam num mesmo palco. Orelha Negra conduz-nos por uma travessia de intensidades variáveis onde a música surge como uma amálgama sonora perfeita.
Em jeito de fecho, vamos acendendo progressivamente as luzes apontadas para a pista. O baile vai ficando mais morninho. A cadência afrouxa. Os corpos acalmam e descansam. Amaura murmura-nos ao ouvido a sua vida feita poesia e voltamos à realidade mais equilibrados.
A agulha levanta-se lentamente e volta ao ponto de partida. Mente sã e corpo são!
Estreamos também una nova secção – (in)Raizados – onde contaremos em cada edição a estória de lusófon@s que fazem a sua vida por aí, nos cantos arredondados do mundo.
Até já!
1. Cantar a felicidade
É samba, é bossa nova e é aquela batida enérgica e alegre que transpira no sorriso do povo brasileiro. É a esperança, a crença na felicidade mesmo quando ela parece estar bem longe do nosso alcance. É Gonzaguinha!
O compositor e cantor, apesar da sua breve carreira (faleceu prematuramente num acidente de automóvel durante uma das suas digressões em 1982), conquistou a nação. Filho de uma outra lenda musical, Luís Gonzaga, iniciou a sua carreira num tom mais crítico e ativista, mas ao longo da sua discografia vai-se aproximando mais de temas como o amor, a amizade e a felicidade. Eis dois temas icónicos e que impossibilitam manter o pezinho parado no chão.
O que é que é?
Música e trabalho: é
2. Dureza doce
Esta guineense, combina de uma forma moderna e atual as tradições musicais do seu país de origem usando instrumentos tradicionais como a corá , o balafon e percussão com cabaça, em arranjos de uma beleza sonora indescritível. Nos seus discos combina os estilos tradicionais da Guiné como o Gumbé, o Tina, o Singa, o Djanbadon, o Afro-beat e canta em Mandinga, Fula, Crioulo, Futa-Fula e Português
As canções de Eneida Marta não nos deixam indiferentes, elas contam rostos duros e profundos, também a alegria, o (des)amor, as agruras da vida, a força das mulheres, a família, as paisagens maravilhosas da Guiné-Bissau e o seu fantástico povo. Embarquemos na melosa voz ao colo dos deliciosos dedilhados e batidas da sua obra.
Amor livre
Mindjer doce mel
3. Na rua de todos
Nascido em Luanda, crescido em Lisboa. Quase 3 décadas dedicadas à arte e pelo meio imensos quilómetros em tournée (Tabanka Djaz, They Must Be Crazy, entre muitos outros), inúmeros palcos e a participação em projetos variados de música, dança e animação cultural.
Pacas é tudo isto e mais. A sua música é como o sorriso que ostenta sempre: grandiosa, contagiante e enérgica. Nas suas canções coabitam inúmeras influências e géneros musicais que vão desde o soul e jazz, ao rap e hip hop, funk e pop, tudo bem temperado com o calor do jindungo africano e moderado pela urbanidade lisboeta, numa interpretação singularmente intensa. Topem só algumas das faixas bailantes do seu mais recente álbum “A rua é minha”.
Boato
Geração Yo!
4. Laboratório sonoro
Experimentalismo controlado e com altíssima qualidade! Estes “cientistas” musicais, em 2010, pegaram nas sinergias que foram descobrindo ao longo de colaborações em estúdio e na estrada e criaram, como se de um laboratório se tratasse, um projeto com uma sonoridade realmente única.
Em Orelha Negra estamos perante um grupo constituído por elementos de diferentes gerações, distintos backgrounds musicais (temos jazz, hip hop e rap, funk…), que através de uma espécie de comunhão sem censura ou travões criativos realiza um cruzamento extremamente profícuo de influências aproveitando o melhor que cada um tem para dar através da sua experiência.
Chama também a atenção ver como instrumentos como o baixo elétrico, a bateria e as teclas se unem plenamente e de forma harmonizada com os scratches do DJ e os samples lançados por Sam the Kid. Deixo-vos navegar livremente neste universo muito particular e tão especial.
M.I.R.I.A.M.
Parte de mim
5. Com a alma aberta
A enorme maturidade pessoal e musical refletem-se na carreira de Amaura . A artista está sem dúvida a passar por um momento brilhante e de grande produção.
Habituada a participar e colaborar com vários artistas nos seus projetos, nos trabalhos que lançou individualmente é clara a presença assumida de R&B, soul e jazz nos arranjos. Destaque também para o cunho pessoal das suas letras que contam amores mal-amados, desilusões geracionais e inconsistências com o próprio ser. Fechamos a sessão com esta bela voz, numa boa vibe.
Denso
EmContraste
(in)Raizados
Esta nova secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida, fazendo a sua vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
Gente ordinária que faz coisas tão extraordinárias como simplesmente andar de bicicleta, dedilhar uma guitarra, tratar e cuidar de animais, plantar flores, cozinhar petiscos, passear à beira-rio, dançar com amigos, desenhar paisagens ou escrever poesia… Onde nasceram e onde vivem, com quem partilham os seus dias, o que fazem nos seus tempos livres, quais os seus projetos profissionais?
Estreamos este espaço com a fabulosa estória de uma grande amiga – a Lena .
Helena Matos (40 anos, Antuérpia)
Nasci em Lisboa e sou a segunda filha de um jovem casal de retornados. Fui uma criança tal como as outras mas que, desde sempre, soube que o meu futuro não seria em Portugal. Aos 3 anos, pelo que conta a minha mãe, já lhe dizia que eu não era dali, que vinha de França.
Estudei em Lisboa, onde me formei em gestão de empresas e comecei a trabalhar numa conhecida empresa internacional. A experiência não foi muito boa e cedo soube que aquele não era o meu lugar.
Em fevereiro de 2005 surgiu um projeto em Barcelona, numa ONG, como responsável por projetos internacionais de voluntariado. Apesar de não ser a minha especialidade, tinha tanta vontade de viver e conhecer coisas novas que aceitei logo o desafio. Foi o início da minha aventura! Em Barcelona aperfeiçoei o meu espanhol e aprendi catalão. Conheci pessoas de inúmeros países e vivi experiências novas e inéditas. Adaptei-me à realidade do momento e, passados alguns meses, conheci o meu atual marido – o Jelle. Ele é belga e estava a fazer o mesmo tipo de trabalho que eu noutra ONG catalã.
O tempo passou e surgiu a oportunidade de fazer o mesmo trabalho, mas em Paris. Aceitei sem hesitar e, em meados de 2006, enquanto o Jelle voltava para a Antuérpia, comecei a viver na capital francesa. Foi uma experiência espetacular! Para nos vermos, viajávamos de 2 em 2 semanas de TGV, entre a França e a Bélgica.
Ao fim de meio ano o meu projeto acabou e decidimos ir viver juntos para a Antuérpia. 2007 foi um ano de altos baixos. Por sorte, encontrei logo trabalho, mas as mudanças foram tantas num pequeno espaço de tempo, que fiquei doente. Foi o início de uma doença crónica com a qual tive de aprender a viver e que hoje em dia está controlada.
Sou uma pessoa positiva e com a ajuda de família, amigos, festas e viagens consegui dar a volta e, em 2011, decidimos começar a tentar ter filhos. Em 2012 nasceu o Daniel. Passados 2 anos, voltei a ficar grávida. Infelizmente, durante o nascimento houve complicações, e a Laura faleceu. Foram momentos dificílimos. Para ser sincera, tenho a sensação que 2014 foi um ano em que não vivi…só respirei. A nossa vida parou naquela época mas, pouco a pouco, com muito esforço, em 2015 começámos a dar a volta. No fim desse mesmo ano, voltei a ficar grávida e, em 2016, nasceu a nossa estrelinha de esperança – o Mathis.
Os anos foram passando, mudei de trabalho, aprendi novas línguas e conheci novos amigos. Ri, chorei, aprendi a viver o dia a dia e hoje, em tempos de pandemia, não me deixo levar pelo pânico. Sempre que ele “bate à porta”, olho para trás e penso: isto é apenas mais uma parte da minha aventura! Uma nova estrelinha de esperança chegará.
És ou conheces algum (in)raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato, junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto: Helena Matos, João Antunes, Nacho Flores e Pedro Sereno.
O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos