Ainda a Liberdade
LUSO QUÊ? 30/04/2021
Editorial
No passado domingo celebrou-se, celebrámos, o “sonho” feito realidade naquele dia 25 de abril de 1974. Dia importante. Fundamental na identidade portuguesa. Exemplo de luta e triunfo nascidos do querer de um povo. Justiça. Prova de fé. Recordar sempre para manter a liberdade viva e sã. Sobretudo recordar para nunca esquecer. Recordar para continuar a realizar “abril”… mais e melhor.
Andámos de volta das celebrações com os olhos e ouvidos bem abertos. Ainda que há distância, atentos aos movimentos, aos discursos, às vozes que contaram. Revendo novamente a História e as estórias dos que viveram de perto, na primeira pessoa, os feitos daquele dia memorável.
E depois, quando a passou emoção do momento pensámos no que teríamos a dizer. O que contar? Não pretendemos contar novamente a História. Já foi feito inúmeras vezes por quem sabe bem do assunto. Está escrito, gravado, narrado, marcado a ferro e fogo. Então o que sobra para incluir aqui no nosso espaço “lusoqueano”?
Bom, iremos dar uma volta breve por algumas janelas da liberdade. Estórias, personagens, canções, frases célebres que formam parte do imaginário coletivo português e que de alguma forma podem até ter já transcendido a sua relação de proximidade com a revolução dos cravos, sendo já traços de identidade cultural.
Os (in)Raizados ficam novamente “fora de jogo”. Quem será o próximo ou a próxima?
Mais uma semana cheia Discos Pedidos!. O que é que os nossos leitores andam a ouvir?
Até já!
1. As paredes falam
Lembro-me se ser criança e ver a cidade de Lisboa repleta de desenhos coloridos nas paredes. Havia pessoas pintadas por todo o lado com as mãos erguidas em jeito de luta e exaltação. Trabalhadores e operários habitualmente. Ainda dava os primeiros passos na leitura e escrita, enquanto lia continuamente, sentado à janela do comboio da linha de Cascais ou caminhando pelas ruas da capital, “a luta continua”, “viva a reforma agrária”, “25 de abril sempre”, “fascismo nunca mais”. Tudo aquilo estava tão longe do “p e um a, pá” que me metiam pela goela abaixo diariamente na escola. Não percebia, mas fascinava-me pelas linhas e cores, pelo poder do grafismo tosco e em bruto que na maioria dos casos acompanhava as mensagens.
As paredes podem falar e até gritar. Elas isolam e prendem, mas também formam lares e dão conforto. Em Portugal elas foram as páginas dos livros que exaltavam o desejo do povo pela liberdade e ilustravam a luta que se travava por esta. Estávamos longe da técnica e exuberância que os graffiti apresentam atualmente, mas o poder da mensagem estava plenamente plasmado ali. Fica a homenagem em jeito de recordação.
Os murais do 25 de abril (2:57)
2. Três Marias
Quando não há liberdade de expressão as almas definham, o corpo entorpece ou na versão oposta busca incessantemente e com todas as forças havidas e por haver, justiça e mudança. Assim andaram os corpos e almas lusitanas durante quase 5 décadas até que finalmente o túnel fez-se luz.
Mares de histórias com guiões de repressão, medo e ódio, opressão, abuso de poder, processos de lavagem cerebral e afins há para contar durante o regime ditatorial de Salazar e Caetano. Lembramos hoje o que sucedeu quando três escritoras portuguesas escreveram um livro sobre a condição das mulheres ao longo da história. As “3 Marias”, como ficaram conhecidas Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa estavam longe de adivinhar que ao publicarem, em 1972, “Novas cartas portuguesas” estavam a dar um passo longo, a escancarar as portas para que o regime fascista as perseguisse e tentasse destruir publicamente sem dó nem piedade. A obra foi considerada “pornográfica” e um “atentado à moral pública e aos bons costumes”. Havia assuntos e temas tabu que eram censurados e o regime estava decidido a não deixar passar em branco este livro que tocava em feridas abertas como o colonialismo, o estatuto social e legal das mulheres no Estado Novo e a família católica. Dedo na ferida! Castigo!
Foram acusadas formalmente e tiveram de comparecer a julgamento. Durante o tempo que durou o processo foram perseguidas, ameaçadas e maltratadas, vendo a sua imagem e honra abaladas por alguns. Mas involuntariamente, tornavam-se globalmente conhecidas e davam passos importantíssimos no que respeita à liberdade de expressão e das mulheres em concreto. Sem ter sido sua decisão davam um gigantesco passo feminista. Gritava-se liberdade!
A revolução da madrugada de 25 de abril de 1974 veio pôr fim ao seu tormento, pondo um término a um processo judicial lamentável, ridículo e absurdo. Outros não tiveram tal fortuna.
Conheçam a história ao pormenor através do artigo do IOL online que nos serviu de fonte.
3. Armas (en)cravadas
O grafismo da revolução portuguesa é incrível. Tanques cobertos com gente. Militares abraçados ao povo. Armas e flores? Metralhadoras tamponadas com cravos? É uma metáfora impressionante, quando pensamos que tudo aconteceu sem sangue, nem mortos ou outras atrocidades que seriam previsíveis numa situação deste tipo.
Acaso, sorte, circunstâncias ou contexto. De tudo um pouco, talvez. Foi assim que Celeste Caeiro se viu embrulhada na história daquele dia 25 de abril de 1974. A culpa parece ter sido do cigarro que não tinha.
Segundo conta a própria, naquele dia o estabelecimento onde trabalhava não chegou a abrir. O patrão alertara todos os funcionários que havia uma revolução em marcha e que, portanto, deveriam regressar às suas casas. Era costume oferecer-se aos clientes da casa um cravo, pelo que todos os dias se compravam cravos frescos. Para que não se estragassem, o patrão ordenou que os levassem. Quando Celeste passou pela rua do Carmo, a caminho de casa, deparou-se com o “desfile” de tanques militares. Um dos soldados pediu-lhe um cigarro. Morreu de vergonha por não ter um para lhe dar e num gesto de emenda acabou por dar-lhe um cravo que ele prontamente enfiou na ponta do fúsil. Os companheiros soldados pediram-lhe mais cravos e o gesto repetiu-se.
Tapavam-se as metralhadoras, calavam-se as balas. Não chegaram a ser disparadas. Não foi necessário. Num gesto singelo e espontâneo, Celeste apelidava a revolução.
Conheçam a história ao pormenor através do artido do Jornal da Universidade do Porto que nos serviu de fonte.
4. Cantigas livres
São tantas. Começando com “Grândola”, o hino criado por Zeca Afonso, passando pela canção código “E depois do adeus” de Paulo de Carvalho e fazendo paragens nos trabalhos de Fausto, Fernando Tordo e tantos outros. Há uma mão cheia de verdadeiros tesouros cancioneiros que cantam a liberdade. O antes, o durante e o depois da luta.
Escolhemos deixar-vos dois temas que nos parecem belos e especiais. A imortal ”liberdade” (já com várias versões desde a sua criação) cantada pelo multifacetado Sérgio Godinho. Quisemos passar este “hino”, ode à liberdade, sublinhando a merecida homenagem que o artista recebeu no passado dia 25. Tocamos também a sentida homenagem que o projeto A garota Não fez a José Mário Branco. Recordar o ativista e pensador, para não o esquecermos. Para não esquecermos quanto custou recuperar a liberdade e o seu incalculável valor.
Liberdade – Sérgio Godinho (3:52)
Canção a José Mário Branco – A garota não (6:06)
5. Os capitães na tela
Pensando naqueles que possam desconhecer o guião da revolução, quais os seus principais protagonistas, como era o panorama político, económico e social daquele ido Portugal dos anos 70, fica a sugestão do filme “Capitães de Abril”, que ilustra muito bem o que aconteceu no dia da revolução dos cravos. O trabalho da realizadora Maria de Medeiros foi lançado no ano 2000 e é seguramente uma visão clara como poucas dos acontecimentos do dia memorável.
Lamentamos a qualidade do vídeo. Não foi possível encontrar o filme numa versão gratuita com melhor qualidade. Capitães de Abril (1:58:38)
(in)Raizados
Esta secção está dedicada a contar as aventuras e desventuras, as peripécias e o quotidiano de pessoas fantásticas que nasceram em países lusófonos e agora andam pelo mundo fora fazendo pela vida e espalhando a língua portuguesa pelos 4 cantos do globo.
És ou conheces algum (in)Raizado sobre quem possamos contar estórias aqui no LUSO QUÊ?? Escreve um breve texto com esse relato (máximo uma página A4, aproximadamente 450 palavras), junta uma foto do(s) protagonista(s) e envia-o por escrito para o endereço eletrónico disponível em O vosso espaço. Se és daquelas pessoas que dizem não ter jeito para escrever, contacta-nos e nós ajudamos-te a dar forma à aventura que tens para contar – as boas estórias não se podem perder!
Discos Pedidos!
Hoje dançamos e cantamos com…
Manuel Rodríguez (Madrid, Espanha)
Gosto da canção Lisboa menina e moça porque tenho muitas saudades de voltar a Lisboa. cidade que eu conheço há muito tempo e que visitei imensas vezes e agora por causa da pandemia só posso acalmar a minha saudade de voltar com recordações e percorrer os seus lugares nas vozes de quem também tem sentido o que eu estou a sentir nesta altura.
Lisboa menina e moça – tributo a Carlos do Carmo
Jaime Spinola (Sevilla, Espanha)
Esta bela canção que reúne dois “gigantes” da música brasileira recorda-me uma etapa concreta das minhas vivências em Madrid.
Garota de Ipanema – Tom Jobim com Vinicius de Moraes
Nesta secção desejamos que partilhem connosco as vossas canções favoritas. O que é bom é para se partilhar! Podem contar estórias relacionadas com elas, quando as ouviram por primeira vez, quem ou que situações vos recordam, situações em concertos, etc. Como? Muito simples. Basta enviar-nos um e-mail para info@lusoque.es com o vosso nome e o local de onde nos escrevem, o título da canção e o seu autor/grupo/projeto e trataremos de a publicar junto ao respetivo vídeo.
Agradecimentos
Muito obrigado pela vossa colaboração e pelos “grãos de areia” lançados ao projeto:
- João Antunes
- Joca Marino
- Nacho Flores
- Pedro Sereno
- Pilar Pino
O vosso espaço Queres falar connosco? Tens sugestões ou ideias? Há temas ou assuntos que gostarias de ver tratados? Queres colaborar com o LUSO QUÊ?? Estamos à tua espera de braços, ouvidos e olhos bem abertos! Escreve-nos